sábado, 12 de julho de 2008

Quando a ficção é mais realista

Instantes, de Miguel Clara Vasconcelos

Depois de ter vencido o Prémio Nacional do Curtas, em 2005, com Documento: Boxe, Miguel Clara Vasconcelos estreou em Vila do Conde a sua primeira ficção. A violência doméstica é o tema de Instantes, um filme onde se exibem relações contrastantes: um amor feito paixão e um amor feito violência; um jovem casal de namorados e um suicida na Ponte da Arrábida.

No teu filme há uma vítima, que ameaça suicidar-se, que afinal é um agressor. É um jogo de contrastes?
Há o efeito do patinho quando nasce e vai atrás da primeira figura que lhe aparece. Acredito que o espectador é um bocado assim. Por isso joguei com isso. Ele é o nosso herói. Mas, pouco a pouco, vamos deixando de gostar dele. Até se tornar num monstro.

Ao mesmo tempo, fazes o contraste com o casal de namorados. Começa por ser a vida contra a morte.
O amor tem dois lados opostos. Pode ter a força da paixão ou a violência no ódio. Trabalhei o clássico. Fiz o confronto. É uma história real. Tive acesso a um processo-crime, e houve mesmo um casal jovem que estava a passar a ponte (mas em Lisboa), deparou-se com um suicida e ficou ali.

Mas na verdade o espectador acaba por seguir sempre o casal?
É mais positivo e unido. No final abraçam-se perante aquele homem. E não sabem como agir. Depois vem aquele agente redentor, um Deus ex-machina. Eu queria que o espectador se perguntasse: «Será que é a mesmo relação em momentos diferentes ou são duas relações antagónicas? Porque uma relação de violência, de casal disfuncional, terá começado numa relação de amor. Eles no fim abraçam-se e confrontam-se com aquilo, como que dizendo: «Nós não queremos ser assim». Se calhar sou eu a dizer que não quero ser assim. Depois no dia seguinte, de manhã, é como se nada se tivesse passado. Porque a violência doméstica não se vê.

Depois, terminas o filme com esse cruzamento com o documentário, que pode tornar-se um pouco explicativo...
Não queria que fosse explicativo. Apenas dizer: «Se isto parece irreal ou demasiado violento, a reparem que a realidade é pior ainda, mais tremenda, mas nós não a vemos». Eu precisei de trabalhar com actores para tornar visível um elemento real. Há realidades a que não consigo chegar através do documentário.

Continuas a trabalhar em ficção e documentário...
Sim, tenho vários projectos de ficção e documentário à espera de apoios. O que me agrada no documentário é que não há dois takes: há sorte e capacidade de antecipação. Eu queria manter esse impulso, de filmar o que acontece e transportá-lo para a ficção. Mas há coisas que só fazem sentido em documentário. Tenho um projecto com camionistas que em ficção não teria graça nenhuma.

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