terça-feira, 29 de abril de 2008

Entre sonho e o sono

A Zona, de Sandro Aguilar

«Não tenho a obrigação de contar uma história», diz Sandro Aguilar. E o seu filme, A Zona – a única longa-metragem portuguesa na Competição Internacional – na verdade não conta. Ou pelo menos não o faz de forma linear. «Mesmo quem chegar ao fim sem saber contar a história, terá sempre algo para dizer ou terá sentido coisas muito particulares.» E é certo que A Zona tem um efeito hipnótico que deixa o espectador rendido, apesar de não existir uma forte dimensão narrativa, muito embora estejam lá os elementos, apresentados de forma subjectiva. O que se passa, num filme pouco falado, é uma sobreposição de planos, como o realizador diz, «entre a vigília e o sono, entre a vida e sonho, entre o real e o irreal». São janelas que se abrem sobre janelas. Entre memórias, memórias de memórias e premonições. Há um sentido interno, ainda que não seja explícito ou facilmente explicável. Intuível. Mas, como canta Sérgio Godinho: «Para quê explicar a explicação?»
O primeiro impacto é sem dúvida um deslumbre estético. Porque há um extremo bom gosto em cada plano, em cada movimento de câmara. Nada é gratuito. Quase tudo é sublime. «Dou o mesmo tipo de tratamento a uma árvore e a um rosto. Tudo se mistura na matéria. Não é por acaso que se chama A Zona: é um território que vou tentando cercar, não é físico, mas também o é.» Contudo, desconfia de quem o considera meramente um «formalista»: «Essa é uma redução muitas vezes feita ao meu cinema, o que é muito confortável para quem o vê.»
Cria uma atmosfera, à qual nos agarramos, apesar de ser pouco aconchegante, através de elementos comuns que nos fazem transitar entre cenários. Há um confronto com a morte, um estado de transe.
Como acontece com David Lynch, A Zona é uma experiência subjectiva, um puzzle emocional, em que poderá haver uma tendência para decifrar enigmas, numa espécie de jogo com o espectador. Mas claro que, assim como nos filmes de Lynch, essa decifração é possível mas não necessária nem sequer importante: «Aqui o que não é dito é mais importante do que é dito, parte da singularidade do filme é avançar através de omissões. Isto não é uma vontade de esconder nada de ninguém. Faz parte da própria natureza do filme. Embora seja concreto não se passa num nível de realidade muito definido.» E acrescenta: « Grande parte dos espectadores não está habituado a ter uma expierência estética que não esteja dentro dos paradigmas que conheça. Este filme tem melodrama, western, terror, uma série de géneros, mas não segue nenhum deles de forma canónica. O que define as personagens não é a acção, mas a forma como são receptáculos de uma consciência.»
Esta é a primeira longa-metragem de Sandro Aguilar, mas quem conheça o seu percurso nas curtas-metragens não se espanta com este universo. Quase todos os filmes que realizou são multipremiados. E há anos que é considerado uma das mais singulares expressões no novíssimo cinema português. É assinalável a coerência e consistência conseguidas ao longo de 10 anos de carreira, desde a estreia com Estou Perto à última curta, Arquivo, em que filmou em primeiro plano um peixe fora-de-água, num confronto brutal com a morte: «O meu trabalho é fazer objectos que desafiem a mim e ao espectador a participar numa experiência desformatada. Não gosto de fazer o que já foi feito milhares de vezes. Pode não se gostar do que eu faço, mas é difícil encontrar filmes parecidos com os meus».
Entre as curtas e a primeira longa há de facto muitas semelhanças, sendo que a maior dúvida era se Sandro conseguiria transpor essa visão experimentalista para um formato mais longo, sem que se tornasse cansativo ou absurdo: «As curtas têm muitos dos traços que esta longa tem. Como o impulso que os personagens têm para a imobilidade.»
Nascido em Luanda, em 1974, Sandro Aguilar formou-se na Escola de Cinema. E logo após a primeira curta-metragem montou a sua própria produtora, a ‘O Som e a Fúria’, que tem produzido algumas das melhores curtas portuguesas dos últimos anos. Recentemente, passou também a dedicar-se a longas, tendo-se estreado com A Cara que Mereces, de Miguel Gomes. Mas Sandro não gosta de misturar o realizador com o produtor. E, enquanto se aguarda a estreia comercial de A Zona, prepara a rodagem de uma nova curta, enquanto escreve a próxima longa.

São Jorge 1, dia 30, às 21 e 45
Londres 2, dia 3, às 15



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