sexta-feira, 24 de abril de 2009

Não mais do que desamparo

THIS IS ENGLAND, DE SHANE MEADOWS




Poucos sentimentos humanos são mais devastadores do que o medo. Com a ganância, é talvez a causa que mais vezes encontramos associada ao mal e a todas as suas formas. No filme de Shane Meadows, This is England (vencedor do BAFTA para melhor filme britânico do ano), Shaun (deslumbrantemente interpretado pelo muito jovem Thomas Turgoose) é uma criança aterrorizada pela sua própria fragilidade: o pai morto na Guerra das Malvinas, o bullying de que é alvo na escola, a desesperança da mãe e a fealdade da cidade em que vive mergulham-no num estado próximo da depressão. Até ao dia em que um grupo de punks o toma sob protecção e Shaun volta a ter pequenos sonhos que lhe iluminam o rosto: umas botas Doc Martens, um novo corte de cabelo, uma primeira namorada, mais velha e experiente como fica bem a um rapaz da sua (pouca) idade. Não são felizes para sempre. No seio desta nova e benigna família há-de infiltrar-se Combo, um skinhead saído da prisão, a quem o desamparo há muito conduziu à violência e ao racismo.
Shane Meadows (nascido em 1972) é um herdeiro confesso da tradição realista britânica, de que são intérpretes maiores realizadores como Ken Loach ou Mike Leigh. This is England, ambientado na democracia musculada (chamemos-lhe assim) de Thatcher, é dominado por conflitos laboriais e sociais muito graves, em que o desemprego (ou o subemprego) do proletariado desencadeia, entre outros fenómenos, a hostilidade contra os emigrantes (nomeadamente indianos e paquistaneses) e o chauvinismo. Para este panorama sombrio, o regime encontra fórmulas anestesiantes de diversão como o «casamento do século» entre Carlos e Diana e a «última guerra patriótica», contra a Argentina, pela posse das minúsculas ilhas Malvinas. Em pano de fundo, bandas punk como os Joy Division ou os Sex Pistols dão o mote musical: temas como Anarchy in UK ou God Save the Queen não deixavam margem para dúvidas. O mau-estar grassava e tomava a forma de uma crise de identidade. Perdido o sonho do Império e do rule Britannia, o que restava ao britânico médio?
Shane Meadows, que cresceu nesta Inglaterra proletária e sombria (mas, como tantas vezes nos dois últimos séculos, na vanguarda cultural), constrói uma narrativa brilhante, sem maniqueísmos nem lições de moral. Demonstra como, insidioso, o mal cresce num grupo humano à semelhança dos cancros: invariavelmente a partir de dentro e com as mesmas consequências letais. Compassivo com as suas personagens (que parece conhecer tão intimamente), o realizador nunca as reduz a uma só dimensão: hesitam, confundem-se, perdem-se, reencontram-se até ao momento em que uma tragédia as submete a um esforço da clarificação. A entrada em cena de Combo destruiria, para sempre, a cândida proposta subversiva dos amigos de Shaun e colocava-os precocemente face a escolhas de vida ou da morte. Destas, há-de depender a perda ou a salvação de todos eles.

This is England, de Shane Meadows, com Thomas Turgoose, Stephen Grahanm, Jo Hartley, Andrew Shum, Vicky McClure, Joseph Gilgun.122 minutos. G.B, 2006

1 comentários:

Fiel de Armazém disse...

essa dos Joy Division serem uma banda punk é que me deixou bastante espantado...