Não foi sem surpresa que O Transporte para San Cristobal de A. H., o único romance de George Steiner, foi recebido pela crítica na altura da sua publicação, primeiro na Kenyon Review, em 1979, e depois em livro, em 1981. Num percurso exclusivamente ensaístico, uma ficção provoca sempre alguma estranheza.
Mas foi o tema e a sua abordagem que mais espantaram os leitores, sobretudo nos círculos judaicos. Ao retomar a tese, ainda que literariamente, da sobrevivência de Adolfo Hitler à II Guerra Mundial, Steiner abriu uma ferida que demorara muito tempo a cicatrizar.
Além do mais, a obra acaba com um discurso de Hitler perante um tribunal improvisado pelos caçadores de nazis que o prenderam, depois de 30 anos de buscas, nos confins da Amazónia. Nele, o ditador justifica as suas acções (em particular a «Solução Final»), situando-as num século de barbárie e até numa repetição da estratégia do povo eleito dos Judeus. Um clímax intenso e extraordinário que surge com o desfecho do livro, deixando o ditador aparentemente sem réplica, como que absolvido, apesar de ela se encontrar umas quantas páginas atrás, na comovente mensagem enviada pelo organizador da caçada aos seus companheiros.
Não será certamente por esta obra, que a Gradiva acaba de publicar entre nós (228 pp, 15 euros), que se recordará George Steiner como um dos maiores pensadores do pós-guerra. Esse facto, porém, não a diminui. E não deixa de ser interessante poder ver nela uma síntese, ou uma aproximação estética, a uma parte substancial da sua obra: o Holocausto, as suas razões, a sua vivência, a sua memória.
Concentrado na intensidade da captura do líder do Partido Nazi, o livro reveste-se, na sucessão de capítulos, de diversos registos narrativos, como a epistola, o diário, o interrogatório, o retrato psicológico, a entrevista, a confissão e a oratória.
Nesta arqueologia colectiva que Steiner empreende, o ditador é apresentado como uma bússola para se tentar perceber como foi possível, depois de milhares de anos de progresso e civilização, uma certa humanidade consubstanciar-se na sua demente figura. E se nos ensaios a análise de Steiner abordou o vazio da religião (Nostalgia do Absoluto), as idiossincrasias do próprio judaísmo e cristianismo (A Bíblia Hebraica e a Divisão entre Judeus e Cristãos), a densidade cultural do Ocidente (No Castelo do Barba Azul), ou a alienação, às vezes inconsciente, outras vezes criminosa, provocada pela Literatura (O Silêncio dos Livros), aqui preocupa-se essencialmente com o «abismo da dor».«Acima de tudo», escreve o autor no posfácio, «esta fábula trata da dor da recordação, a imperativa mas intolerável dor da lembrança. Foi escrita com dor. Terá falhado o seu intento se este facto não for palpável para os leitores.» Passados 30 anos, é um romance extremamente actual.
Mas foi o tema e a sua abordagem que mais espantaram os leitores, sobretudo nos círculos judaicos. Ao retomar a tese, ainda que literariamente, da sobrevivência de Adolfo Hitler à II Guerra Mundial, Steiner abriu uma ferida que demorara muito tempo a cicatrizar.
Além do mais, a obra acaba com um discurso de Hitler perante um tribunal improvisado pelos caçadores de nazis que o prenderam, depois de 30 anos de buscas, nos confins da Amazónia. Nele, o ditador justifica as suas acções (em particular a «Solução Final»), situando-as num século de barbárie e até numa repetição da estratégia do povo eleito dos Judeus. Um clímax intenso e extraordinário que surge com o desfecho do livro, deixando o ditador aparentemente sem réplica, como que absolvido, apesar de ela se encontrar umas quantas páginas atrás, na comovente mensagem enviada pelo organizador da caçada aos seus companheiros.
Não será certamente por esta obra, que a Gradiva acaba de publicar entre nós (228 pp, 15 euros), que se recordará George Steiner como um dos maiores pensadores do pós-guerra. Esse facto, porém, não a diminui. E não deixa de ser interessante poder ver nela uma síntese, ou uma aproximação estética, a uma parte substancial da sua obra: o Holocausto, as suas razões, a sua vivência, a sua memória.
Concentrado na intensidade da captura do líder do Partido Nazi, o livro reveste-se, na sucessão de capítulos, de diversos registos narrativos, como a epistola, o diário, o interrogatório, o retrato psicológico, a entrevista, a confissão e a oratória.
Nesta arqueologia colectiva que Steiner empreende, o ditador é apresentado como uma bússola para se tentar perceber como foi possível, depois de milhares de anos de progresso e civilização, uma certa humanidade consubstanciar-se na sua demente figura. E se nos ensaios a análise de Steiner abordou o vazio da religião (Nostalgia do Absoluto), as idiossincrasias do próprio judaísmo e cristianismo (A Bíblia Hebraica e a Divisão entre Judeus e Cristãos), a densidade cultural do Ocidente (No Castelo do Barba Azul), ou a alienação, às vezes inconsciente, outras vezes criminosa, provocada pela Literatura (O Silêncio dos Livros), aqui preocupa-se essencialmente com o «abismo da dor».«Acima de tudo», escreve o autor no posfácio, «esta fábula trata da dor da recordação, a imperativa mas intolerável dor da lembrança. Foi escrita com dor. Terá falhado o seu intento se este facto não for palpável para os leitores.» Passados 30 anos, é um romance extremamente actual.
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