segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

La Cicatrice Intérieure




La Cicatrice Intérieure, de Phillipe Garrel, passa às 22 horas, na Cinemateca Portuguesa, juntamente com Athanor (20’), também da sua autoria, e Screen Tests (12’), de Andy Warhol. Documento poético fundamental de 1972, La Cicatrice Intérieure tem como protagonista Nico, actriz, manequim e chanteuse que requintou os Velvet Underground. O filme integra a programação do festival Temps D’Images, cuja componente cinematográfica é centrada este ano na coreografia.
Não se trata do movimento coreográfico das comédias musicais ou das encenações mais espectaculares, mas algo de muito mais rasteiro e penetrante (como se poderá verificar também em O Último Mergulho, de João César Monteiro, a passar hoje às 19). A dança parte da elasticidade infligida pelo próprio cenário, numa permanente osmose entre o actor/actriz e a ambiência que o/a envolve. Depois há o trabalho vertiginoso da câmara, que só por si pode funcionar como uma coreografia autónoma e dominadora. Um pouco dessas duas vertentes se pode encontrar em La Cicatrice Intérieure. Temos as obsessões circulares de Garrel, levando Nico a infinitos anéis de silêncio prostrado, e com ela a cicatriz interior que ameaça desabrochar-lhe entre as palavras. E depois afundamo-nos em todo aquele deserto branco e imenso vindo do fabuloso disco de Nico Desertshore, cuja mística celebração do vazio é recapitulada e que serve também de banda sonora para as palavras sem idade nem tempo do filme de Garrel: «Every child will be able to weep / Every wise man spoke of him / Every keeper will be sleeper / And a guide to ways unsure».
É uma coreografia sem ponto de partida nem rumo, a que se vê em La Cicatrice Intérieure. As várias paisagens de desertos trabalham como bússolas de areia, tão áridas e despidas como a protagonista, os seus elementos – vento, fogo, água – impondo-se como as extensões de toda uma dança cósmica. Oportunidade única para assistir a um dos filmes mais belos de sempre.

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