segunda-feira, 8 de maio de 2006

Entrevista com Peter Trickett

Jornalista de profissão, Peter Trickett já escreveu para várias publicações da Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido. A sua especialidade é investigação histórica e científica, tendo recebido um prémio pelo seu trabalho na Nova Zelândia. Em 1998, descobriu uns mapas na Biblioteca de Camberra, cidade onde vive, que indicavam a descoberta da Austrália pelos portugueses. Desde então fez um minucioso esforço de corte e costura, enquanto procurava documentação adicional que sustentasse a teoria. A sua dedicação foi tal que até aprendeu português, primeiro num curso nocturno e depois como autodidacta. O resultado destes anos de investigação é Para Além de Capricótnio. Em conversa com o JL, afirma: «Os portugueses devem-se sentir orgulhosos deste feito.»

Blogue do JL: A teoria de que os portugueses chegaram à Austrália antes do capitão Cook já é antiga. Mas, com estes mapas, passamos a ter a certeza?
Peter Tricket: As provas são conclusivas. Temos cerca de cem nomes de locais em português, que correspondem a sítios concretos da costa australiana. Os mapas são bastante precisos. Isso por si só seria o suficiente. Mas nos últimos anos também foram descobertos artefactos portugueses da época.

Isso significa que os portugueses terão feito mais do que uma viagem?
Certamente, houve uma só viagem para a costa Este, que foi explorada primeiro. Mas é possível ter sido feita uma segunda para a costa Oeste. As viagens foram mantidas em segredo.

Porquê?
Essa era a política portuguesa. Era imposto um segredo para todas as explorações, e quem o violasse seria condenado à morte. Ninguém põe isso em causa: essa política existia mesmo.

Por que motivo não terão os portugueses colonizado a Austrália?
A população era muito reduzida, de menos de dois milhões tinha que se estender para controlar o império marítimo. Tinham que manter os barcos, as forças, os postos de troca. Simplesmente, não existiam recursos humanos para ir mais longe. A Austrália é um território enorme e praticamente vazio. Julgo que quando a descobriram terão pensado que poderia ser explorada mais tarde. Mas depois houve a malfadada expedição de D. Sebastião a Marrocos, que destruiu o Estado português, e que fez com que se submetesse a Espanha. Isso com tudo.

Alguns historiadores portugueses defendem que não tem grande importância avistar uma terra, o que realmente marca um descobrimento é a sua exploração. Concorda?
Não concordo. Esta descoberta tem que ser considerada. Sabemos que a viagem foi encomendada por D. Manuel. Disponibilizou, no mínimo, quatro barcos: um número equivalente à frota de Vasco da Gama para a sua expedição. Por isso, era considerada da maior importância. Tudo isto é bastante claro.

Deveriam então os portugueses considerar Cristóvão de Mendonça um dos heróis da sua História?
Sim. Precisávamos ainda de mais provas que terá sido ele? Talvez um autógrafo... Mas, nunca se sabe, pode ser que se descubram mais factos em alguns arquivos.

O que se sabe de Cristóvão de Mendonça?
Fiquei muito desiludido quando fui a Portugal. No catálogo da Biblioteca Nacional só havia sete entradas em Mendonça. Aqui em Camberra descobri 77 referências. Deve haver muito mais coisas sobre Mendonça em Lisboa, que nunca foram catalogadas. Alguém terá que dedicar alguns anos a descobrir isso.

Como é que o seu livro foi recebido na Austrália?
Para minha surpresa, foi muito bem recebido. Estava à espera de ser atacado com críticas severas. Mas, apenas com uma excepção, não houve quaisquer críticas. As pessoas ficaram surpreendidas, mas aceitaram a ideia.

Acha que esta teoria poderá alterar a forma como os australianos vêem os portugueses em geral, e a comunidade imigrante em particular?
Sim, de forma modesta, poderá contribuir para isso. Mas não é fácil fazer passar a ideia. Porque todos os historiadores ortodoxos dirão que não faz qualquer sentido que tenha sido Portugal a descobrir a Austrália. Mas com o tempo a ideia terá que ser aceite.

Como espera que os portugueses recebam o livro?
Espero que fiquem contentes. Foram os verdadeiros descobridores da Austrália, em vez dos holandeses ou dos ingleses. Um feito incrível, de enorme dificuldade, em águas que nenhum europeu tinha alguma vez navegado. Isto, em 1522, com meios de navegação relativamente primitivos. Inclusive, conseguiram definir o Trópico de Capricórnio apenas com um erro mínimo de poucos quilómetros. É mostra do elevadíssimo nível da navegação portuguesa há 500 anos. Espantoso.

Se os portugueses tivessem colonizado a Austrália o mundo seria muito diferente…
Seria um outro Brasil. Se calhar, já teríamos ganho o Mundial de Futebol.

É jornalista. Como se interessou por esta área?
Sempre me interessei por jornalismo histórico. Até ganhei um prémio por isso, na Nova Zelândia. E, uma vez envolvido, simplesmente tinha que seguir até ao fim.

Foram oito anos de trabalho para este livro. Porque demorou tanto tempo?
Havia uma série de avenidas por onde seguir. Várias pistas falsas. Becos sem saída. Alguns acabaram por ser úteis e encaminharam-me para outras possibilidades. E ajudaram-me a chegar a conclusões.

E continua a investigar nesta área?
Bom, se alguma pista interessante aparecer, vou segui-la.

0 comentários: