domingo, 7 de maio de 2006

Dez navegadores

Muito tempo antes de cientistas e investigadores dedicarem o melhor do seu conhecimento à procura de longínquos planetas, sobretudo com as mesmas características da Terra, como o que agora foi encontrado, já homens e aventureiros partiam em busca de Novos Mundos. Alguns por conta própria, muitos ao serviço de uma Coroa. Uns pela fama, outros pelo dinheiro. Mas todos ambicionavam chegar mais longe do que os seus antecessores. E para isso tinham escassos recursos. Umas quantas naus, uma tripulação por vezes mal formada, poucas defesas contra as doenças que se propagavam facilmente e inimigos escondidos em cada porto, cabo ou estreito. Para não falar no desconhecimento. Os grandes descobridores marítimos, do século XV ao século XVIII, rumavam sobretudo contra a ignorância. Para o mundo de então, que ajudaram a explorar, a cartografar e a dominar, alcançaram feitos impensáveis. De alguns, a história encarregou-se de perpetuar o nome. De outros, o esquecimento persiste em desvalorizá-los. Aqui ficam alguns «companheiros de profissão» de Cristóvão Mendonça, a quem a fortuna e audácia permitiram ouvir, pelo menos uma vez na vida: «Terra à vista!»

BARTOLOMEU DIAS
Não cabe à Poesia o rigor da História, mas por vezes encontra-se mais verdade num verso do que numa descrição baseada em factos. Sobretudo quando se fala da epopeia de Bartolomeu Dias, que transformou tormentas em esperanças, e fez do mostrengo uma medalha igual às que os militares usam ao peito, digna de memória. Segundo Fernando Pessoa, terá dito o navegador português, já meia tripulação em pânico, a outra à beira do desmaio: «Mais que o mostrengo, que me a alma teme/ E roda nas trevas do fim do mundo,/ Manda a vontade, que me ata ao leme,/ De El-Rei D. João Segundo!» O resto é conhecido: depois de pequenas expedições, em rotas já estudadas, Bartolomeu Dias é encarregue do grande projecto marítimo português: chegar ao Índico contornando África. A intuição e informações mantidas habilmente em segredo asseguraram o feito. A fé num Prestes João que, do outro lado do continente, pudesse ajudar a conversão dos hereges calou as dúvidas. E as caravelas partiram, corria o Verão de 1487. Aproveitando ventos e marés, Bartolomeu afastou-se um pouco da costa da actual África do Sul. Estávamos em 1488. E quando uma revolta dos marinheiros o obrigou a regressar à metrópole, já o mostrengo tinha sido dominado. Para memória futura colocaram-se, no regresso, padrões a divulgar o acontecimento. E a sublinhar que tinha sido realizado em nome do Rei de Portugal, d’aquém e d’além-mar. À expedição de Vasco da Gama, que Bartolomeu Dias integrou, bastou seguir a trajectória definida. Dias foi ainda membro da armada de Pedro Álvares Cabral que avistou o Brasil, mas o mostrengo «vingou-se» quando velejavam a caminho da Índia. No cabo que lhe rendeu fama.

CRISTÓVÃO COLOMBO
Poucos erros produziram tantos proveitos. Não duvidava Colombo que a Terra fosse redonda, achava-a apenas mais pequena. Daí que, pelas suas contas, fosse possível chegar rapidamente às Índias, o sonho de todos, dos monarcas aos simples representantes do povo. «Que ao cheiro desta canela/ O reino nos despovoa», disse-o Sá de Miranda. Mas a Colombo o cheiro vinha-lhe do Oeste. Para onde ninguém acreditava que houvesse terra. Falhada a negociação com D. João II, restou ao navegador, que algumas teorias fazem nado e criado em Portugal (mas esperemos pelo filme de Manoel de Oliveira, baseado no estudo de Manuel Luciano e Lúcia Jorge da Silva), virar-se para os reis espanhóis, a segunda potência marítima do séc. XV. Concluída a reconquista cristã, os reis Fernando e Isabel aceitaram o desafio. Rivalizar com os vizinhos portugueses era, seguramente, um «pecado» difícil de evitar. Com a garantia de, em caso de sucesso, se tornar governador e vice-rei das terras descobertas, Cristóvão Colombo partiu de Sevilha, em 1492, com as três famosas caravelas: Pinta, Niña e Santa Maria. Estava a viagem bastante alongada, com os cálculos a revelarem-se errados, quando se ouviram as palavras mágicas. Terra à vista. Só mais tarde se percebeu que de indianas tinham pouco. Colombo voltou lá mais três vezes, explorando grande parte das Caraíbas.

FERNÃO DE MAGALHÃES
Não viveu o suficiente para receber a glória que os seus feitos merecem. Mas nem por isso foi esquecido. O seu nome foi atribuído a um dos mais importantes estreitos do mundo, decisivo nos séculos que não usufruíram dos canais do Panamá e do Suez. E em várias localidades, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, sobretudo no hemisfério Sul, Fernão de Magalhães é sinónimo de ousadia, aventura, descoberta. Às vezes, no entanto, esquece-se a sua nacionalidade. Apesar de ter nascido em Portugal, informação segura, foi ao serviço da coroa espanhola que efectuou a primeira circum-navegação da terra. Se dúvidas houvesse que ela era mesmo redonda, ficaram de vez esclarecidas. Foi também o primeiro europeu a navegar nas águas do Oceano Pacífico, no qual, de resto, viria a falecer, junto às Filipinas, antes de completar a viagem. O objectivo era muito concreto: permitir ao Império Espanhol chegar às Índias por Ocidente, como Colombo sonhara, nunca violando as águas que pertenciam aos portugueses, segundo o Tratado de Tordesilhas. O sucesso desta expedição deu origem a uma longa disputa sobre a propriedade das Molucas, que haveria de gastar recursos às duas partes beligerantes. Para a História ficou a partida de Sevilha, 1519, com uma tripulação de 234 homens. Dois anos passados, voltaram 18.

FRANCIS DRAKE
Não se pense, pelas descrições anteriores, que os homens que alcançaram estes feitos foram sempre honrados e honestos. A valentia nem sempre rima com ponderação. E não será preciso recordar o filme de Kurosawa para saber que os maus também sonham. Piratas e corsários, a expensas próprias ou ao descarado serviço da coroa, foram muitos os que chegaram mais longe, encontraram portos para comércio e novas riquezas para a Europa. Um dos mais destacados, no uso das armas e na perícia das velas, foi Francis Drake, que liderou, em 1588, a marinha inglesa contra a Invencível Armada espanhola, a mais potente da altura. Antes, noutras águas, dedicou-se à pirataria, sobretudo contra os domínios de Filipe II. A guerra, na altura, já era global. E foi a primeira pessoa a seguir a rota de Fernão de Magalhães, efectuando a segunda circum-navegação da terra. Que repetiria três vezes. A Passagem de Drake, entre a América do Sul e a Antárctica, perpetua o seu nome, apesar de nunca por lá ter passado. Optou sempre pelo estreito de Magalhães.

JAMES COOK
Para a História ficaram as palavras, escritas pelo seu punho: «A ambição leva-me não só a ir mais longe do que qualquer outro homem antes de mim já foi, mas também a ir tão longe quanto creio ser possível a um homem». A este sonho James Cook dedicou toda a vida. Mas no século em que viveu, o XVIII, o mundo era quase todo conhecido. Escolheu, por isso, o Oceano Pacífico, ocultando, talvez, ou desconhecendo, de todo, que outros antes de si já tinham navegado por essas paragens. Inclusivamente na Austrália, da qual reivindicou a descoberta. James Cook regressava então de mais um expedição científica, na sequência de várias circum-navegações que realizou. Deparou-se com diversos arquipélagos, que baptizou à sua vontade. Fez o reconhecimento da Nova Zelândia e chegou à costa ocidental da Austrália, que contornou pelo norte. Em vida, ainda lhe coube ser o primeiro homem a cruzar o Círculo Polar Antárctico.

JOÃO FERNANDES LABRADOR E ESTÊVÃO GOMES
A data não ajudou. E é fácil de explicar. Como a presença física, a atenção por vezes também não tem o dom da ubiquidade. E na mesma altura em que a armada de Vasco da Gama concluía a descoberta do caminho marítimo para a Índia, em 1498, do outro lado do planeta, João Fernandes, na companhia de Pêro de Barcelos, chegava à costa do Canadá. Agia por conta própria, ou seja, era patrocinado pela coroa portuguesa, mas não na totalidade, e realizava expedições fora da estratégia real. Pelo que lhe foi atribuída a propriedade das terras descobertas, que ficaram a ser conhecidas pelo seu nome: Labrador. Seguia, também, os mesmos caminhos que levaram os irmãos Cortes Real, João Vaz e Gaspar, à Terra Nova, em 1472. Divulgada na Europa, esta viagem motivou outras de navegadores portugueses. Depois de ter pertencido à tripulação de Fernão de Magalhães que deu a volta ao mundo, Estêvão Gomes foi incumbido, por Carlos V de Espanha, em cujo império o Sol nunca se punha, a de chegar à Índia pelo Atlântico Norte. O que acabou por fazer, cartografando, pela primeira vez, toda a costa Leste dos actuais Estados Unidos da América.

VASCO DA GAMA E PEDRO ÁLVARES CABRAL
Pouco importa que a semântica histórica esteja a esclarecer a verdadeira dimensão dos factos, substituindo «descobrimento» por «achamento» ou por «encontro». A verdade é que, à parte a arrogância e outras atitudes menos felizes, as viagens de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral trouxeram «Novos Mundos ao Mundo», usando a expressão da época. Iniciaram a primeira globalização, facilitando comunicações, o mercado livre e a aproximação de culturas. Eram ambos grandes navegadores, além de estarem rodeados dos maiores especialistas. O primeiro chegou à Índia, em 1498, o segundo, ao Brasil, em 1500. Ambos fizeram de D. Manuel um dos reis mais poderosos do mundo. Sol de pouca dura, é certo, mas mesmo assim de uma intensidade raramente vista em Lisboa. Aos portos da capital chegaram especiarias, mais tarde ouro, que depois seguiram para as grandes praças e feitorias da Europa. Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral são, acima de tudo, símbolos da vocação marítima portuguesa. A ponta do iceberg que escondia a identidade do país.

WILLIAM DAMPIER
Nem todos os grandes navegadores tiveram a oportunidade de descobrir algo de novo. Muitos, como dizia Álvaro de Campos, pertenceram àquele género de pessoas que «depois de estar a Índia descoberta/ ficaram sem trabalho». É o caso de William Dampier. Chegou a andar por mares pouco navegados, como os da Austrália e da Nova Guiné, mas distinguiu-se sobretudo pela sua arte de marear. E pelos livros que publicou ao longo da vida, fruto das duas circum-navegações que cumpriu, entre 1670 e 1679, a primeira, e 1701 e 1707, a segunda. Os relatos de viagens, como A New voyage around the world, Voyages and descriptions ou A voyage to New Holland, e os manuais técnicos, como A discourse of winds, foram autênticos best-sellers. Numa altura em que a corrida às peles de leões-marinhos dos mares do Sul moviam muitos empresários e aventureiros, essas obras fizeram de William Dampier um dos pilotos mais requisitados. A título de curiosidade diga-se que foi um dos seus homens, Alexander Selkirk, que inspirou Daniel Defoe para o Robinson Crusoe. De facto, quando aquele marinheiro se encontrava numa ilha de difícil localização, um dos muitos segredos de William Dampier, uma frota de espanhóis atacou a tripulação que, em desespero, partiu em fuga. Selkirk só seria resgatado quatro anos e quatro meses depois.

1 comentários:

Canto da Boca disse...

O acaso (?) me fez navegar até as vossas águas, donde sempre estarei a singrar esses mares.
Gostei imenso daqui.
;)