quarta-feira, 29 de abril de 2009

A Parte pelo Todo, de João L. B. Guimarães

Páscoa Baixa

Durante a manhã inteira a barba
ainda cresceu. O vórtice que me picava
ao fim de um dia de trabalho
já o posso adivinhar
neste círculo de flores.
O seu torso é imóvel. Nada
diviso a mover-se (um relâmpago das pálpebras?
o pensamento de um dedo?)
velo a hesitação da barba qual
néscio agarrando tempo.
Durante a manhã de março a
barba ainda cresceu
qualquer coisa dentro dele ainda
não queria morrer.

As Cadeiras

À aula de
quarta-feira assistiram 13 alunos e
27 cadeiras. Em resumo: a sala cheia.
Quando a
lição terminou os 13 alunos partiram e
acto contínuo contei 20 casais de cadeiras.
Às aulas que tenho dado nunca faltam
as cadeiras
ficam a ouvir-me atentas
(as costas muito direitas).
É bom de ver que as cadeiras entendem
tudo à primeira
parecem ser mais maduras (mais
pés
assentes na terra).

Botox®

Procura as minhas mãos uma mulher
nos quarenta
pedindo que lhe atrase o outono dos olhos
cansados: «Só queria perder dez anos». E
tento o que de amargo possa ter acontecido
para a ter a desejar punir
um decénio da idade -
dou comigo a lamentar não saber delir
memórias somente
rugas e rídulas (ruínas
pouco marcadas). Na armadilha do tempo
ninguém tomba por engano:
não se expurga a pele por décadas quanto muito
dano a
dano.

Do novo livro de poemas de João Luís Barreto Guimarães, A Parte pelo Todo, uma edição da Quasi.

0 comentários: