segunda-feira, 27 de abril de 2009

A não perder no Indie


Encounters at the End of the World, de Werner Herzog

Não se percebe porque é que Herzog, que já se deslocou aos locais mais improváveis do planeta, não há-de vir também a este fim do mundo, ou fim da Europa, que é Portugal, durante a 6ª edição do Indie, onde é homenageado, enquanto herói independente. Pode ser que venha, ainda não está é confirmado. De qualquer forma, o público irá encontra-se com ele, em mais um dos seus filmes de fim do mundo, que nunca teve oportunidade de ver as luz dos projectores nas salas de cinema portuguesas. Encounters at the End of the World é um documentário rodado no ponto exacto para onde todas os meridianos do planeta convergem. Não se espere mais um filme sobre pinguins… Encounters… vem sempre acompanhado pelo olhar assombrado e pela própria voz de Herzog, em off. E, de facto, é um documentário especial, porque o realizador alemão (que agora é mais ou menos do mundo) tem um daqueles olhares de criança, ou de poeta, que ainda guardam a extraordinária capacidade de se deslumbrar com as coisas mais corriqueiras da vida. Diz-se que as pessoas normais se ocupam de coisas especiais, os verdadeiros sábios apenas de coisas normais – tão normais como uma estalactite de gelo numa gruta ou um catterpiller a abrir caminho entre a neve suja. Herzog faz do cinema uma reflexão, a muitos graus abaixo de zero, na latitude sul 66º, onde durante cinco meses não existe noite. Este pólo não está ocupado, como nos clichés, de iglus, mas de laboratórios, barracões, escavadoras, barulho, confusão como nas terreolas recentes dos filmes do faroeste. E é este ponto, infinitamente branco – tão branco que se torna azul – , que Herzog filma e disseca. Não só as focas e as estrelas-do-mar debaixo de gelo. Mas a outra fauna humana tão especial, que na realidade o habita: cientistas, sábios, biólogos, glaciologistas… Herzog chama-lhes «sonhadores profissionais».

Domingo, 3, 16 , São Jorge 1


Singularidades de uma Rapariga Loira, de Manoel de Oliveira

É um dos grandes acontecimentos do IndieLisboa, que tem sido amplamente publicitado. Singularidades de uma Rapariga Loira, o primeiro filme de Manoel de Oliveira depois dos 100 anos, vai ter a sua ante-estreia nacional no festival. Oliveira adapta o conto de Eça de Queirós transpondo-o para os nossos tempos, numa média-metragem de 63 minutos. Num estilo muito seu, cria facilmente uma sensação de espanto, um anacronismo transversal à obra e uma despreocupação com pormenores importantes para a credibilidade da história. Do elenco fazem parte os habituais Ricardo Trêpa e Leonor Silveira, mas quem realmente se destaca é Catarina Wallenstein. A jovem actriz tornou-se a figura do momento do cinema português, e aqui é uma rapariga loira deslumbrantemente singular.

Terça, 28, 22, Cinema São Jorge 1

The Happiest Girl in the World, de Radu Jude

O cinema romeno teve a sua efervescência, com uma mão cheia de bons filmes surgidos nos últimos dois anos. Mas agora corre o risco, no caso dos seus autores não reincidirem com filmes de qualidade, de se tornar fora-de-moda. Radu Jude era uma das promessas. E este ano tornou-se certeza. Em 2007, ganhara o prémio para a melhor curta-metragem, num filme sobre a Roménia profunda, chamado The Tube with a Hat. Agora estreia-se no formato longo, com A Rapariga mais feliz do mundo. Não será um Sr. Lazarescu, nem um 4 meses, 3 semanas e 2 dias. Aproxima-se antes do realismo satírico de 12:08 A Este de Bucareste, de Corneliu Porumboiu. A obra conta a história de uma jovem que ganhou um carro num concurso de um sumo de laranja e consequentemente é forçada a gravar um anúncio à marca. Numa estrutura minimal, Radu Jude expõe as contradições de um país em vias de desenvolvimento, mas que sabe rir de si próprio

Sexta, 1, 21.45, Londres 1

Ricky, de François Ozon

No ano passado, François Ozon trouxe ao Indie um filme chamado Angel. Mas só este ano ganhou asas, com Ricky. Ganhou asas literalmente. O filme tem todos os contornos de banalidade, até com alguns pormenores de mau gosto, com o uso abusivo de lugares comuns. Mas a meio tudo muda, quando Ricky, o bebé, filho de um casal disfuncional, deixa crescer umas asas e aprende a voar. Tudo se transforma. E é, acima de tudo, o próprio filme que se liberta, no domínio de um fantástico realista. Ou de um surrealismo contido. Há todo um universo de possibilidades que se abre juntamente com as asas do bebé. Mas o filme, tecnicamente exemplar, também pode ser entendido como uma metáfora sobre a perda de um filho. Certo é que Ozon se transcende e se eleva ao nível do coração dos pássaros, onde mora a felicidade.

Sexta, 1, 21 e 45, São Jorge 1

Dernier Maquis, de Rabah Ameur-Zaïmeche

Durante os 90 minutos desta película, não aparece uma única mulher. Nem como secundária, nem como figurante, nem sequer a passar distraidamente em plano de fundo. É um filme de homens num mundo de homens. De imigrantes, operários e muçulmanos. Onde tudo se mistura como faces concorrentes da mesma luta: religião e relação patronais. Não há Satã. Não há infiéis. O filme passa-se numa extraordinária comunidade árabe algures perdida em França, que é, acima de tudo, uma comunidade laboral. Parece enquadrar-se na tendência, apontada em O Segredo de um Cuscuz, para dar voz à larga comunidade árabe em França. Para espreitar pelo buraco da fechadura e descobrir este mundo que nos é particularmente estranho. Só que radicaliza o conceito, abolindo todos os franceses, e deixando de parte as questões de integração. Ali está tudo perfeitamente integrado, aquela fábrica é uma colónia islamita, e desenquadrados estão aqueles que ainda não se converteram. O chefe constrói uma mesquita, com o duplo objectivo de chegar ao paraíso e manter a concertação social com os seus trabalhadores. Mas a luta de classes é inevitável. E não se pode servir dois deuses ao mesmo tempo.

Sexta, 1, 18 às 30, Cinema Londres 1

Crítico, de Kleber Mendonça Filho

Todo o mundo tem pele fina, mesmo… Este documentário brasileiro, filmado ao longo de dez anos, foca os dois lados da barricada: de um lado a crítica, do outro os criticados, realizadores e actores de cinema. Curiosamente em vez de um tiroteio de parte a parte, Kléber consegue uma polifonia de discursos e análises. Em vez de duelo, Kléber consegue diálogo. Aliás, o filme passa na secção Director’s Cut, que tem esta vocação de pensar o cinema. Recorrendo a cerca de 70 testemunhos, recolhidos em festivais e ante-estreias (de Gus Van Sant a Carlos Saura), a imagens de épocas díspares, entremeadas de uma forma particularmente hábil e feliz, relata-se como se sente esta estranha metamorfose, das imagens em movimento da tela até às palavras estáticas dos jornais. Muitos contam como uma má crítica, uma análise leviana ou mesmo injusta pesa tanto como uma agressão a um filho. Outros realizadores não se sentem tão pessoalmente atingidos por estas reinterpretações das suas obras. Os mal-amados críticos são intermediários entre o filme e o público. E, neste sentido, «todo o crítico é um passador». Afinal, só pode haver uma boa crítica quando a matéria-prima é boa. O bom cinema é formador. E, como se diz no documentário, é impossível ser-se especialista em samba no Japão.

Terça, 28, 15 e 15, Classic Alvalade 1, Domingo, 3, 21e 30, Classic Alvalade 1

Muitos Dias tem o Mês, de Margarida Leitão

O endividamento das famílias portuguesas é um tema deste documentário de Margarida Leitão. Um filme de uma actualidade extrema, que procura mostrar a complexidade deste problema que assola milhares de famílias. A realizadora procura abordar a questão de diversos ângulos, desde o balcão da DECO, às casas de penhores, passando pelos leilões imobiliárias e as confissões intimistas de vários devedores. Sobretudo revela uma notável dimensão humana. Num filme urgente, que pode ser tomado como uma obra sóbria de intervenção social. Porque a maior lição que se toma é que é preciso manter-nos alerta numa sociedade em que o apelo ao consumo se torna tantas vezes irresistível.

São Jorge, dia 27, às 21 e 45; Londres, dia, às 21 e 45

La belle personne, de Christophe Honoré

Não é de agora o interesse do cinema pela escola. Basta lembrar Jean Vigo, e o seu Zero em Comportamento (de 1933), para perceber quão frutíferas são as relações, os conflitos e as paixões sociais que se desenvolvem durante as aulas, os convívios nos pátios e as tertúlias dos cafés. Em intensidade, talvez se assemelhem mesmo ao ambiente das cortes das velhas monarquias absolutas. Não é, por isso, descabida esta adaptação que Christophe Honoré, realizador de Dans Paris, fez do clássico romance psicológico de Madame de La Fayette, La Princesse de Clèves. A chegada da bela Junie, a meio do ano lectivo, vem desconcertar o equilíbrio da turma. Rapidamente se estabelecem jogos amorosos, que escondem, substituem e se sobrepõem aos já existentes. Amantes e amados, traidores e traídos desfilam perante a câmara num subtil bailado que tem tanto de encenado, como de familiar. Se os atributos de Louis Garreal, que participou em quatro filmes de Christophe Honoré, eram conhecidos, é surpreendente o desempenho de Léa Seydoux. É o fio condutor desta comédia de enganos, reclamando a atenção do espectador quando estes sentimentos se revelam excessivamente contidos para os dias de hoje.

Cinema City Classic Alvalade (Sala 3), dias 29 Abril, às 18 e 15, 1 de Maio, às 21 e 45, e 3 de Maio, às 18:15

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