quinta-feira, 26 de março de 2009

O peso e a graça

Demandou a luz nas mais cerradas trevas, associando o despojamento dos santos à inteligência de um prodígio. Fosse Simone Weil viva e teria feito 100 anos a 3 de Fevereiro. Mas morreu aos 34, durante a Segunda Guerra Mundial, de uma tuberculose agravada pela sua determinação em partilhar a "sorte" dos prisioneiros de guerra na França ocupada pelos alemães. Não foi um acto de desespero, ditado pela militância política ou pela sua condição de judia não praticante; antes o corolário de uma obra e de uma vida conduzidas "apenas" por um ideal de purificação interior.
Na sua existência, breve e fulgurante, Simone deixou alguns dos trabalhos filosóficos mais importantes do século XX como L'Enracinement ou La Pesanteur et la Grâce, mas recusou sempre a condição de erudita encerrada em torre de marfim. Foi trabalhadora na Renault porque quis conhecer, no terreno, as condições de vida dos operários, convenceu os pais a dar guarida a Trotsky, alistou-se nas fileiras anarco-sindicalistas na Guerra Civil de Espanha e, finalmente, descobriu Deus e o catolicismo para os viver como tudo o mais: sem cálculo nem sentido de auto-preservação. Até ao limite derradeiro.
Na espuma dos meus dias, feita de mil pequenos egoísmos, releio La Pesanteur et la Grâce (edição Plon, embora haja uma boa tradução portuguesa na Relógio d'Água), em busca de um instante de graça que me liberte de tanto peso inútil. Mas o caminho, mesmo que não conduza ao sublime, está coberto de espinhos. Quem será capaz de renunciar tão obstinadamente ao passado e ao futuro, de substituir a imaginação pela disponibilidade total, de não procurar uma compensação para a infelicidade? Penso em todas as cobardias, vaidades, hedonismos, confortos do corpo e da alma, obrigações reais ou consentidas. As minhas, as tuas, as deles. E depois penso em Roberto Saviano, o jornalista autor de Gomorra, que, aos 29 anos, abdicou dos mais elementares gestos quotidianos porque ousou dizer quem são e onde estão os mafiosos de Nápoles. As palavras de Simone Weil adquirem então uma ressonância diferente. A das coisas que nunca deixam ser novas.

1 comentários:

Severino disse...

É essa a condição dos exemplos; morrer primeiro, para ser louvado, após.