terça-feira, 23 de setembro de 2008

Estou a ver-te



No princípio era Deus. Era Deus que via tudo. Ninguém podia fugir, ninguém se podia esconder. Todos os actos e até pensamentos eram vigiados e entravam para a contabilidade céu/inferno. O mais certo era o purgatório, mas até esse já foi abolido pelos homens, em bula papal. Na sua omnipresença Deus não permitia deslizes. Um pouco como naquela claustrofóbica, imbecil e pirosa música dos Police: «Every step you take, I’ve been watching you»
Desde que Deus morreu esse papel tem sido desempenhado pelas câmaras de vigilância. No Reino Unido há cerca de um milhão. Internacionalmente tem-se questionado a eficácia deste sistema no combate à criminalidade. Ou melhor, já se conclui que é pouco eficaz, pelo menos quando usado de forma massiva. É de facto impossível criar uma equipa para ficar atenta a um milhão de câmaras. Ainda para mais, segundo foi apurado, os vigilantes gastam em média um quinto do tempo a observar mulheres jovens e bonitas. O que só é um problema porque, segundo as estatísticas, há um grau pouco elevado de criminalidade entre as mulheres jovens e bonitas.
Em Portugal, as câmaras instaladas não têm evitado assaltos em bombas de gasolina. Ao que parece, os ladrões lembraram-se tapar a cara. E, atendendo ao pouco dinheiro em caixa, não sei como é que ainda não se lembraram de roubar a própria câmara. A experiência diz ainda que é muito difícil distinguir o que quer que seja em filmagens nocturnas. Percebe-se o crime, mas não o criminoso.
Nada disto seria grave, caso não interferisse com a privacidade de cada um. A mim incomoda-me não poder tirar macacos do nariz numa rua deserta de Londres, sem o receio que algum guarda ou vigilante, escondido e camuflado, comente: «Olha, hoje há festa no salão».
Os famosos i-phones, o canivete suíço electrónico que a Apple inventou, têm um dispositivo que vai tirando fotografias aos seus utilizadores de tempos a tempos. Mesmo depois de apagadas é possível recuperar todas estas imagens. A Apple já está a tratar de corrigir esta falha, que significa uma lesão grave na privacidade dos seus clientes. Embora possa ser útil em caso de assalto.
Mesmo que tudo, subitamente, se torne eficaz, a questão é sempre a mesma: as câmara protegem-nos do ladrões, mas quem nos protege das câmaras?

0 comentários: