terça-feira, 15 de julho de 2008

As correntes vão na corrente

Corrente, de Rodrigo Areias, venceu o prémio para a Competição Nacional do Festival de Vila do Conde. O JL falou com o realizador que estreia, em Setembro, Tebas, a sua primeira longa-metragem

Há uma componente estética muito importante no teu filme, que é quase uma homenagem ao cinema. Porque optaste por esse universo regressivo?
Na prática, a ideia foi mesmo voltar atrás. Depois do Tebas, a longa que fiz, em vídeo por falta de financiamento, quis filmar em película. E achei que era necessário recuar em termos estéticos, técnicos e de linguagem. A ideia surgiu num local. Estava a fazer a reperage para um outro filme. Descobri aquele décor. E ao ter-me cruzado com aquelas pessoas, e com o apoio da Câmara Municipal do Fundão, achei que seria o sítio ideal para fazer o meu filme. Na prática, optámos por trabalhar em 16 mm reversível. Podemos pagar aquela película, revelá-la à mão, mantendo-se tudo a um preço comportável. Decidimos que íamos usar essa limitação técnica como linguagem do filme. Dar a ideia de filme de arquivo, que tanto poderia ser feito hoje, como em 1930. Há uma semelhança com o cinema mudo, não só por não haver diálogos, mas porque, em termos de enquadramento, aqueles pontos de vista são em escalas que normalmente não são utilizadas porque, hoje em dia, não são compreendidas como reais: ele olha e vê as coisas muito próximas, no entanto está longe. O que me interessava era fazer um filme mais cru e primitivo, com o qual me identificasse mais.

O próprio lettering indica mesmo isso...
Sim, claramente. Aliás, o genérico, com toda a equipa técnica, é apresentado no início, que é algo que não se faz há mais de 50 anos. A ideia foi mesmo ir buscar essa estética datada dos anos 20 e 30, com todos os pormenores, que achei fundamentais para a contextualização estética do filme.

Mas o que quiseste dizer com isso, com fazer um filme hoje que poderia ter sido feito há meio século?
Evocando uma linguagem de outra época, não deixa de ser um filme actual. O que me marcou é que a realidade daquelas pessoas em 1920 e 1930 é igual à de hoje. As máquinas e a segurança são as mesmas. Em termos pessoais, era algo que precisava de fazer após uma série de filmes que têm outro tipo de lógica. Precisava de voltar atrás, e pensar na película de forma mais básica, sem grandes artefactos técnicos. Apenas nas duas personagens, no décor e no que se vê em frente à câmara. Simples, rudimentar e primitivo.

Ao mesmo tempo contas uma história de amor e de correntes, nos dois sentidos da palavra, as que prendem e as que libertam...
Em português, tem no mínimo essa dupla significação, que se perde ao traduzir para inglês. Há o desejo de ir com a corrente e sair daquele lugar. E, por outro lado, há uma corrente com que esse próprio espaço prende as personagens. Um ciclo vicioso de vida.

Trabalhas muito ligado à música, fizeste bastantes coisas com Legendary Tiger Man. Neste filme a banda sonora é muito importante, com uma das bandas do momento: Sean Rilley & The Slowriders...
A música tem um papel preponderante nos meus filmes, porque a minha origem é essa. Sou muitas vezes convidado para fazer videoclips, mas, normalmente, não me apetece muito. Faço para Tiger Man e Wray Gunn porque sou muito amigo de Paulo Furtado e trabalhamos juntos há muitos anos. Foi o Paulo que me levou a ver um concerto dos Sean Rilley. Eu gostei da música. Eles convidaram-me para fazer um vídeo. Aceitei. E em contrapartida pedi que eles fizessem a música para o meu filme. Correu bem.

Passando-se o filme no Fundão, vais levá-lo ao Imago?
Sim. A Câmara Municipal queria fazer uma apresentação com o Sean Rilley. O Imago, curiosamente, também o tinha convidado e queria que eu lá fosse apresentar três trabalhos. Pareceu-me que seria demais ir duas vezes ao Fundão apresentar o mesmo filme. Por isso, pedi que se organizassem para irmos lá só uma vez, para que os mineiros pudessem ver o filme em que entraram.

Os actores são mesmo mineiros?
O par principal não. Mas toda a figuração é feita por mineiros.

Agora o que estás a preparar?
A Periferia filmes, a minha produtora, teve três filmes em Vila do Conde. Agora estamos a produzir um filme meu. O Tebas terá distribuição em Setembro. Tenho trabalhado bastante em produção. E o que posso em realização.

0 comentários: