quarta-feira, 26 de março de 2008

O Tinteiro, de Carlos Muñiz

Imagino como deve ter sido. O cinema cheio, a abarrotar, para ver teatro. Uma peça de liberdade no tempo da ditadura. Corria o ano de 1961 e no Cinema Império a recém formada companhia Teatro Moderno de Lisboa estreava O Tinteiro, do dramaturgo espanhol Carlos Muñiz. Quarenta e sete anos depois, a peça volta a subir a um palco, desta feita, o do Auditório Municipal Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha. A encenação é de Armando Caldas, director do Intervalo – Grupo de Teatro, e que em 61, era ‘Pim’, uma das personagens do trio completado por ‘Pam’ e ‘Pum’.
Tratam-se de três funcionários, obedientes a um patrão injusto e prepotente, que atormentam a existência da personagem principal d’O Tinteiro: Crock. Será possível trabalhar e cheirar as flores da Primavera? Poderemos gostar de poesia, mesmo se são os números de uma qualquer contabilidade que nos preenchem os dias à secretária? São algumas perguntas que Crock (uma excelente interpretação de Carlos Vieira de Almeida) levanta num ambiente em que a palavra de ordem é ‘obedecer sem questionar’. Trinta e quatro anos depois do 25 de Abril serão estas interrogações válidas? Farão ainda sentido estas palavras? Caberá ao espectador julgar às sextas e sábados, às 21 e 30 e domingos às 16.

1 comentários:

L. disse...

Tocava a sineta e saíamos em corrida desenfreada
na direcção de um muro das redondezas
saltávamos para dentro dele
ou para fora conforme o ângulo
Era um laranjal enorme colado à nossa escola
Comíamos até estar mal dispostos

Um de nós o mais pequeno
parece que um dia teve uma intoxicação
diziam que aquela laranja tinha uns bichos que o comeram por dentro

O dono da quinta às vezes ouvia-nos e vinha a correr a bradar
eu mato-vos
Não sei bem
Acho que uma vez veio com a caçadeira e com a cabeça vermelha
e pensou que estava descarregada mas não estava
faltava um pedaço da cabeça do filho do presidente da junta
imediatamente a cabeça do homem passou a mais que branca

Quem ia sempre à frente a ver se havia cães
ou se o homem lá estava era o Bitoques
filho do taberneiro
Mas o bitoques se bem me lembro já morreu
ele e mais uns poucos
que comeram laranjas demais

Não sei quando recordo estas coisas
quais são verdade e mentira
as que vivi e as que a minha cabeça inventou sem me dizer
Por vezes fico neste estado
tudo é um estranho sonho
mas não sei dizer qual dos estados é o lúcido
o real

Agora
já não vejo laranjas
ando é sempre com um limão no bolso