segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Jorge Pelicano: Fora da linha


Com Pare, Escute, Olhe, Jorge Pelicano foi um dos grandes vencedores da 7.ª edição do DocLisboa, ao receber três prémios na competição nacional: melhor longa-metragem, melhor montagem e melhor filme para o júri IPJ Escolas. É o culminar de uma intensa semana para o realizador de Ainda há Pastores?, já que o seu novo documentário foi ainda distinguido na XV edição do Festival Internacional de Cinema Ambiente de Seia, também em três categorias: Ambiente, Lusofonia e Juventude. O JL falou com Jorge Pelicano na sua última edição, num breve encontro que aqui republicamos.

Depois do sucesso de Ainda há Pastores?, Jorge Pelicano regressa ao documentário com novo retrato do Portugal profundo. Em Pare, Escute, Olhe, o realizador viaja até Trás-os-Montes para descobrir uma região abandonada pelo poder central, em que o despovoamento é quem mais ordena. Aí encontrou uma população resignada, sobretudo com a notícia do fecho da linha ferroviária do Tua e a decisão política de se construir uma barragem. Neste cenário, Jorge Pelicano, 32 anos, jornalista da SIC, não hesitou: assumiu como sua a causa da salvaguarda da identidade da região. O documentário, que passa amanhã, quinta-feira, 22, às 22 horas, no Festival Cine Eco, de Seia, depois de ter estado na competição nacional do DocLisboa, é uma arma ao serviço dessa luta. Que terá desenvolvimentos em exposições fotográficas, concertos com a banda sonora original ou em outras intervenções públicas, numa cidadania que se faz de câmara de filmar na mão. É que a indiferença não faz parte do guião de Jorge Pelicano.

Jornal de Letras: Este documentário surge na sequência dos acidentes ferroviários que têm vindo a ser noticiados, ou havia um interesse anterior?

Jorge Pelicano: Quando comecei o projecto ainda não havia notícias dos acidentes (quatro, nos últimos dois anos), nem da barragem. Eu queria tratar o tema do despovoamento e a melhor forma de o fazer era falar das linhas ferroviárias encerradas, nomeadamente em Trás-os-Montes. Essa é a razão principal porque decidi trabalhar na linha do Tua.

O despovoamento e um certo Portugal que está a desaparecer estão sempre presentes nos seus documentários. O que lhe interessa nesses temas?
A perda de identidade. O objectivo deste filme é levar as pessoas a reflectir sobre o que é realmente importante para o nosso país. Se o progresso, se a possibilidade de termos regiões com a sua própria identidade, com transmontanos, alentejanos, ribatejanos. Porque nem tudo tem de ser igual. É por isso que o filme se chama Pare, Escute, Olhe. Numa sociedade em constante mutação como a nossa, é importante de vez em quando pararmos, escutarmos as pessoas e olharmos para o que temos. E, a partir daí, estabelecer prioridades.

Nesse sentido, é uma reflexão sobre os últimos 35 anos de Democracia a partir deste caso concreto?
Sim. E por isso um filme mais político. Porque devíamos mesmo estabelecer essas prioridades e pensar para onde vamos, para onde queremos ir. Um exemplo: daqui a 20 ou 30 anos, as aldeias de Trás-os-Montes vão estar completamente despovoadas. O que ainda vamos a tempo de evitar. Mas os políticos, que estão sempre a falar em desertificação, contribuem para que isso aconteça, como se mostra no filme. Mais uma vez, a barragem do rio Tua vai trazer electricidade para o litoral à custa do interior.

Este é um documentário que não receia tomar partido?
Exactamente, isso é muito claro. Para mim, o documentário deve ser uma arma. Chamar à atenção e pôr o espectador a pensar. Pare, Escute, Olhe é totalmente parcial. É uma defesa da região de Trás-os-Montes.

Na rodagem, o que mais o surpreendeu?
Não haver luta. No início, estava à espera de encontrar pessoas revoltadas. Muitas sentem falta do comboio, mas estão resignadas. Com tantos anos de esquecimento, dizem que já não vale a pena lutar. Isso só acontece porque os responsáveis políticos não vão ao terreno. Este filme também tem como objectivo levar ao centralismo de Lisboa a grandeza daquele património.

A nível cinematográfico, ensaiou novas opções estéticas?
A grande novidade é o facto de ter uma banda sonora original, de Manuel Faria, Frankie Chavez e Francisco Faria. De resto, é a mesma óptica de Ainda há pastores?: um documentário muito cinematográfico, embora aqui a câmara passe mais despercebida. Não tem voz off, nem entrevistas. Vive do dia-a-dia das pessoas.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Gabriela Canavilhas, Pianista de causas

A pianista e gestora cultural Gabriela Canavilhas será a partir de segunda feira, dia 26, a nova ministra da Cultura. Quando estava à frente da Associação Música - Educação e Cultura, entidade que gere a Orquestra Metropolitana de Lisboa o JL traçou-lhe o perfil que agora aqui republicamos.


É uma das mais talentosas pianistas portuguesas. Apaixonou-se pela obra de Schubert, mas foi a tocar música de câmara de compositores portugueses que fez escola. Depois de ter editado sete álbuns e passado por muitos palcos nacionais e internacionais, aceitou, em 2003, ficar à frente dos destinos da Associação Música – Educação e Cultura, que gere a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML). Gabriela Canavilhas, 46 anos, é uma pianista de causas. Acredita que os artistas têm um papel social importante e sempre o tomou nas mãos ao defender as obras de compositores portugueses. Na OML quer subir a fasquia e conta ao JL os planos para o futuro


Foi o cheiro do primeiro piano em que tocou que lhe guiou os passos. O perfume ficou-lhe colado à pele, à memória e ao coração. Hoje, sempre que pensa nas notas de uma partitura, inspira, e recorda o aroma desse instrumento «antigo, preto, nobre». Gabriela Canavilhas tinha então 12 anos e acabava de receber a sua primeira aula no Conservatório de Ponta Delgada, com a professora Natália Silva. Não começava cedo. «Nos Açores, ter uma formação musical não era tão vulgar quanto isso. Mas tive pais atentos que resolveram pôr-me a estudar.» Podia ter sido apenas um complemento da sua educação, mas acabou por revelar-lhe o verdadeiro talento. Nessa primeira aula, desconhecendo ainda o nome das notas, tocou com a professora uma peça a quatro mãos. E a pouco e pouco a linguagem musical foi sendo cada vez mais fácil de falar – embora reconheça que se tivesse começado mais cedo poderia ter chegado mais longe como instrumentista. «É determinante começar cedo até para moldar o físico ao instrumento. Além disso, as obras que se aprendem nessa altura, ficam consolidadas no corpo de uma forma muito mais intensa do que as que se estudam depois dos 25 anos.»
A adolescência foi um tempo cheio de actividades musicais, mas não só. Com as duas irmãs teve aulas no atelier de uma pintora, onde aprendeu a misturar pigmentos, a preparar telas, a segurar nos pincéis e todas as muitas técnicas da arte. A sua irmã mais velha, hoje poetiza e pintora, «estava ligada a tudo quanto era movimento radical e, sempre que havia algo que fosse um corte na tradição, lá estava ela. E levava as irmãs.» Os pais – pai militar, e mãe professora – a tudo assistiam sem grandes interferências. «Em plenos anos 70, estávamos entregues a nós próprias, com o apoio da família, mas com a liberdade para crescer e conhecer o mundo.» O universo da música começara a tornar-se cada vez mais sério para Gabriela e a irmã mais nova – hoje também pianista, a viver na Noruega – mas, como diz entre risos, «os pais só se aperceberam disso quando começaram a ver o nosso nome nos programas dos concertos.»
Acabado o liceu, sempre com boas notas, partiu da ilha rumo ao Curso Superior de Piano do Conservatório de Lisboa. Tinha 17 anos e a viagem não a assustava. Nascida em Angola – por acaso, durante uma comissão do pai – sempre se sentiu 100% açoriana e por isso herdeira de uma tradição de «cidadãos do mundo». «O facto de vivermos no meio do mar, com laços estreitos com os Estados Unidos e o continente, faz com que estejamos em permanente viagem, o que facilita muito a circulação. Vir estudar para Lisboa foi naturalíssimo», diz com um ligeiríssimo sotaque das ilhas.
À chegada encontrou um verdadeiro mestre: o professor António Menéres Barbosa. «Foi e é um transmissor de uma velha escola de piano que se tem vindo a perder: a da excelência.» Não lhe perdoava nenhum tipo de defeito sempre na busca da perfeição. Foi duro, reconhece, mas muito estimulante. Pois, como Gabriela Canavilhas costuma dizer, «nada é pior do que um artista satisfeito.»

À conversa com as notas
No Conservatório teve também aulas de música de câmara com Olga Pratz, com quem descobriu o prazer de tocar em conjunto. Gabriela Canavilhas fascina-se com o intimismo que se pode atingir nesta «conversa» entre músicos. Cada fala traz algo novo à discussão e o que se bebe de uns e de outros é sempre mais do que nos solos. Nessa «embriaguez» de querer aprender tudo o que se relacionasse com este tipo de música, resolveu partir para Siena e participar nos famosos cursos de Verão da Accademia Musicale Chigiana. Durante três inesquecíveis meses, tocou com músicos do Japão, Coreia, Alemanha ou Austrália, formando vários trios, quartetos, quintetos, num ambiente em que as tradições da Toscânia se misturavam com todas as notas. Saiu de Siena com um diploma de mérito. Depois voltou a Lisboa e acabou o curso. Começou então a sua aprendizagem no palco e surgiram vários convites para participar em diversos agrupamentos de música de câmara. Mas a pianista sempre gostou muito mais do estudo e dos ensaios do que dos concertos propriamente ditos. «Não há nada mais difícil do que subir a um palco e provar, através da linguagem da arte, toda a preparação que foi necessária para chegar ali. Mas quando se reúnem as condições ideais – um bom piano, um público atento, um artista concentrado – podem acontecer momentos verdadeiramente mágicos que compensam o intérprete de todo o esforço.»
Quanto ao repertório, sempre preferiu tocar compositores portugueses. «Acredito que temos obrigação de contribuir para a divulgação dos nossos músicos», afirma convicta. No princípio dos anos 90, quando começou a tocar em público e a gravar – tem sete álbuns editados – houve também o boom dos jovens compositores portugueses, de Eurico Carrapatoso a Sérgio Azevedo, com quem criou boas relações. Aliás, algumas das peças que lhe deram mais prazer tocar foram as que Carrapatoso escreveu para o trio Vocalizos, que a pianista formou com Ana Ferraz e António Costa, e que, entre outros, apresentava também peças de Victorino de Almeida ou Pinho Vargas. Seguiram-se mil actividades, desde concertos em que tocou obras de vários compositores portugueses, a recitais dedicados a Vianna da Mota, Alfredo Keil, Lopes-Graça ou Augusto Machado, e a participações nos mais variados festivais nacionais e internacionais – tocou nos Estados Unidos, Brasil, Itália, Macau ou Alemanha. Na Antena 2 (RDP), ao longo dos anos, participou nos programas O Despertar dos Músicos, A Quatro Mãos, A Força das Coisas e Império dos Sentidos. Fundou ainda o projecto do Festival Música Atlântico, que decorre nos Açores há já nove anos. «Foi uma pedrada no charco que começou a integrar os Açores no roteiro das grandes produções», diz com orgulho. Gosta de colaborar nas actividades da sua terra e chegou mesmo a ser assessora do director regional da Cultura. Aliás, acredita que, com mais ou menos visibilidade, todos temos uma quota-parte de responsabilidade social. «Cada vez tenho mais desprezo pelas pessoas que não se revêem na sociedade em que vivem.»

Subir a fasquia
Foi pela «consciência de serviço público» que, em 2003, resolveu aceitar o convite dirigido pela vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa (CML), para a direcção da Associação Música – Educação e Cultura que gere a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML) e a Orquestra Académica Metropolitana. Precisou de «arrumar a casa» e não foi fácil. A situação financeira que encontrou – após a saída da direcção do maestro Miguel Graça Moura – era «devastadora». Os seus objectivos foram preservar a instituição, assegurar a estabilidade da casa, melhorar a qualidade da orquestra e primordialmente prosseguir o trabalho de formação em simultâneo com divulgação musical e a performance. «Num ano e meio estava consolidado o projecto artístico e recuperado o caminho ascendente da orquestra e das escolas», conta. Mas nesse processo deixou de tocar piano. Os primeiros dois anos foram de tal forma duros que temeu não saber já ler partituras. Concentrou-se na tarefa que tinha em mãos. Pôs o piano em espera e, passados quatro anos, sente que há da parte do presidente da CML, António Costa, «uma vontade política forte de encerrar definitivamente os problemas do passado que se prendiam com questões financeiras.» Por isso aceitou a recondução no cargo – por mais três anos – e espera que políticos e fundadores cumpram as suas promessas. Gabriela Canavilhas pretende cumprir com o que acredita ser a obrigação da instituição: contribuir para o desenvolvimento intelectual e para a exigência do público. «O público tem de ser respeitado e acarinhado. É preciso fazê-lo subir à grande música. Os espectadores merecem que se apresentem mais do que high lighs da música clássica.»
De há dois anos para cá voltou a tocar. E, como nunca perdeu o contacto com os músicos da orquestra e com os maestros convidados, sente que as soluções musicais que hoje encontra lhe surgem naturalmente. Mas onde tudo soa melhor é no seu refúgio em Aviz, no Alentejo. Sabe que precisa de sair do reboliço da cidade e acalmar, ali, no contacto com a natureza. Sentada ao piano de cauda, com vista para o campo, encontra-se consigo própria. Ao fim de semana fica muito tempo a tocar. O marido, militar, não a acompanha a quatro mãos, prefere escutar, e sempre a apoiou em todos os seus passos. A filha, Joana, 23 anos, tocou vários instrumentos mas, embora seja «uma ouvinte atenta», pôs a música de lado para se dedicar ao jornalismo.
Nessas horas que dedica às teclas, Gabriela Canavilhas faz sobretudo escalas técnicas para voltar a treinar os dedos, mas não só. Anda a estudar um pouco de Schumann e uns improvisos de Schubert, o seu compositor preferido. «Tem uma emoção, poesia, intensidade e densidade que me tocam particularmente», explica. Além disso, prepara o concerto de Mozart, K 482 – com que passou no exame final do Conservatório. «Nunca o toquei com uma orquestra», diz com um sorriso na voz. Quem sabe se para o ano?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Uma escola que seja sua

Gostava de escrever isto de forma a não vos sobressaltar, mas não há maneira: em 2006, no Afeganistão, um director de escola foi decapitado diante da família por um grupo de homens armados. Cometera o «crime» de afrontar uma das leis fundamentais dos talibãs, dando aulas a meninas. No dia seguinte foi preciso explicar o sucedido a estas crianças: não “apenas” o horror da execução, como também o facto, irremediável, de que mais ninguém ousaria levá-las à escola.
Infelizmente, o Afeganistão está longe de ser o único país a favorecer deliberadamente o analfabetismo feminino. Segundo o relatório da ONG Internacional Save the Children, em 70 países do planeta boa parte das meninas são obrigadas a entrar no mercado de trabalho em plena infância. Na Etiópia ou na Nigéria, três quartos das alunas têm de deixar a escola para dar lugar aos rapazes. Mesmo na China, gigante industrial, o índice de sub-escolarização das raparigas é muito elevado. Estima-se que, ao todo, haja no mundo cerca de 200 milhões de meninas impedidas de frequentar a escola.
O que estes governos parecem não entender, para além do respeito pelos direitos humanos mais elementares, é que, como demonstram todos os estudos, o livre acesso do sexo feminino à escola está directamente associado à baixa dos índices de subnutrição, mortalidade infantil, propagação da SIDA e a uma melhor situação económica. Em contrapartida, uma jovem sem escolaridade está muito mais susceptível à pobreza, aos casamentos forçados, à violência sexual e aos maus tratos e tem muito mais possibilidade de criar filhos analfabetos, subalimentados, vítimas de doenças crónicas.
Como travar este flagelo? Em 2000, 189 países assinaram a Declaração Milénio, lançada pelas Nações Unidas, com vista à obtenção da paridade escolar em 2015. Oito anos decorridos, será esta uma meta realista? Três regiões do mundo assinalam ainda atrasos importantes: o Médio Oriente e o Norte de África, a África Ocidental e Central e no Sudeste asiático. Como se escreve no estudo encomendado pela UNICEF, The Gap Report – Gender achievements and prospects in Education, «já falhámos o objectivo da paridade em 2005, não podemos fazê-lo também em 2015.» No primeiro mundo, em que as mulheres ainda enfrentam tantos «obstáculos de cristal» (na política e no quotidiano laboral, por exemplo), não se pode continuar a olhar esta causa como uma acção de caridade ou beneficiência. No mundo globalizado deixou de haver lugar para exotismos. As ondas de choque provocadas pela borboleta, que bate as asas na China, são cada vez mais fortes.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Nas bancas!

JL 1019


José Saramago, o Peso de Deus

Caim, lido por Miguel Real

Entrevista com o romancista

Reportagem do 'Escritaria' dedicado ao Nobel português

João Tordo, Prémio Saramago: «Uma responsabilidade para o futuro»


Herta Müller, Nobel da Literatura: Escrever a Ditadura

Texto de Mª Teresa Dias Furtado

Depoimentos de Teresa Salema e João Barrento

Crónica de Alexandre Pastor


Sérgio Godinho, Fausto e José Mário Branco juntos e ao Vivo


J. P. Borges Coelho, Prémio Leya


A reabertura do Teatro da Trindade


Jonas Mekas no Doc: «O cinema será sempre novo»


Carlos Reis: A língua portuguesa e Lídia Jorge


Entrevista com Jean Daniel


A autobiografia de Zuenir Ventura


JL/Educação:

Ensinar o Ambiente

Que mudanças no Estatuto da Carreira Docente?


Camões • Agenda Cultural


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Prémio Leya

João Paulo Borges Coelho, com o romance O Olho de Hertzog, é o vencedor da 2.a edição do Prémio Leya.

sábado, 10 de outubro de 2009

Seu Jorge ao vivo num planeta qualquer




«Me dá uma cerveja para molhar as palavras», disse esta noite Seu Jorge, no Campo Pequeno, num concerto onde tudo aconteceu. O brasileiro entrou em palco acompanhado por 14 músicos (que exagero!), disposto a fazer dançar a assistência bem composta, com os seus ritmos quentes que oscilam entre o samba, o funk e o hip-hop. Pelo caminho, uma desgarrada de pandeiretas, versões de Bowie em português, o público a cantar em coro os hits, e uma rapsódia de Carnaval (com direito a Mamãe eu Quero....). Ah e houve ainda espaço para que o João Vargas pedisse em casamento a Ana. E tudo o resto são cantigas. Amanhã, dia 10, repete no Porto.


quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Herta Müller, segundo Gonçalo M. Tavares


A propósito da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a Herta Müller aqui republicamos a coluna Biblioteca, de Gonçalo M. Tavares, do JL n.º 1009, precisamente dedicada à escritora e poetisa alemã.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Amália nunca cantou Guerra Junqueiro


Penas é de Fernando Caldeira

Como a propósito do 10.º aniversário da morte de Amália se tem repetido erroneamente que Guerra Junqueiro foi o primeiro poeta erudito que Amália cantou, republicamos o nosso artigo de 2005, onde se demonstra por A + B que a grande fadista nunca cantou tal poeta


O erro repetiu-se ao longo de décadas. Amália nunca cantou Guerra Junqueiro. O famoso poema Penas, que a fadista cantou no início da carreira, sobre o Fado Bacalhau, é da autoria de Fernando Caldeira, um outro poeta seu contemporâneo.

Quem, em carta ao nosso jornal, revelou o facto foi Maria Cristiano Moniz Ribeiro, uma atenta leitora , apaixonada por Amália, que tem quase 1400 gravações da fadista. O JL confirmou que o poema não é de Junqueiro, com a especialista da obra do poeta, Manuela Rêgo, e com a Casa-Museu Guerra Junqueiro, no Porto. Dentro do espólio não foi encontrado qualquer escrito que se assemelhasse.

Fica assim desfeito um erro que se tem repetido ao longo dos anos.

Em sucessivas edições de discos (incluindo a que o nosso jornal recentemente publicou) e em textos teóricos de ilustres especialistas em fado, o poema aparece sempre atribuído ao poeta portuense. O que é perfeitamente compreensível, pois, passando uma vez a informação errada, é natural que os teóricos do fado não se dediquem a verificar a autenticidade da autorias da diversas letras. Fernando Caldeira foi assim o primeiro poeta erudito que Amália cantou, logo em 1947. Terá descoberto o poema numa página de jornal, quando viajava para o Brasil. O fado, de resto, acabou por ser gravado apenas em terras de Vera Cruz e só posteriormente chegou a Portugal (diz-se que o dono do Café Luso não queria que Amália editasse em Portugal, porque tinha medo que os admiradores assim deixassem de ir vê-la ao vivo). Maria Cristiano desconfiou do equívoco logo de início, mas não quis expor a situação com medo de prejudicar Amália: «Quando, em Angola, em 1958, comprei discos da Amália vi, num 78 rpm, que o fado Penas vinha atribuído a Guerra Junqueiro disse ao JL. Estranhei, mas não me competia desfazer o erro; e, no meu pouco contacto com ela, não me atrevi a chamar-lhe a atenção. Mas quando em 2001 se começou a falar no Panteão e na 'coincidência' de o túmulo dela ser ao lado de Guerra Junqueiro 'o primeiro poeta erudito que ela cantou', achei demais que ele ficasse com os louros que são Fernando Caldeira (...)».

E chamou a atenção de várias personalidades, entre as quais Vítor Pavão dos Santos: «Como tenho visto recorrer-se a ele para quase tudo o que se queira fazer sobre Amália, escrevi a esse senhor e mandei-lhe fotocópias do livro; ele telefonou-me dizendo que 'não valia a pena falar no erro'».

Contudo, posteriormente, como explica a Maria Cristiano, o biógrafo reincidiu, no booklet de um vídeo dedicado a Amália: «Na página nove do livrinho que acompanha os vídeos, diz o Vítor Pavão do Santos que «julga que Amália deveria voltar a cantar Guerra Junqueiro».

Mas de quem é o erro? Nem Maria Cristiano nem o JL conseguiram descobrir o original da publicação consultada pela fadista, mas, das duas uma, ou Amália enganou-se a ler ou o jornal enganou-se a escrever. Maria Cristiano avança com uma tese: «A minha teoria é que os brasileiros arredados da nossa literatura erroneamente achavam que não existia o tal Fernando Caldeira e substituíram-no pelo conhecido Guerra Junqueiro e Amália, na sua proverbial modéstia e timidez, calouse! E o erro perpetuou-se, tendo embora havido possibilidade de o corrigir.» Este equívoco histórico tomou tal dimensão que quando se falou da transladação dos restos mortais de Amália para o Panteão Nacional vários se referiram à coincidência de ficar sepultada ao lado de Guerra Junqueiro, incluindo o Presidente da República, Jorge Sampaio.

O fado Penas teve uma importância decisiva na carreira de Amália e na história do próprio Fado. Foi o primeiro prenúncio do que havia de ser um dos mais pertinentes contributos da cantora para o fado: a adaptação de poemas eruditos.

Tal intuito ganhou maior relevância com a adaptação de Fria Claridade, de Pedro Homem de Mello e, mais tarde, já com Alain Oulman, ao chamar para o fado grandes poetas como Camões, David Mourão-Ferreira, Alexandre O'Neill ou Manuel Alegre.

Essa tendência para adaptar poetas eruditos, de resto, foi-se mantendo ao longo dos tempos, até à actualidade, com nomes como Carlos do Carmo, Mísia, Cristina Branco, Katia Guerreiro ou Liana. Nascido na Casa da Borralha, em Águeda, Fernando Caldeira (1841-1894) foi governador civil de Aveiro, deputado em várias legislaturas, pintor e músico amador. Licenciou-se em Direito, pela Universidade de Coimbra. Escreveu várias peças de teatro, sobretudo comédias, que foram interpretadas pelos melhores actores do seu tempo, como Lucinda Simões, Rosa Damasceno ou Ferreira da Silva. Entre outras obras é o autor de O Sapatinho de Cetim, Os Missionários, A Mantilha de Renda, Sara, As Nadadoras, As Médicas, A Congressista, A Mosca e Madrugada.

O livro de poesia Mocidades, editado em 1882, com reedição em 1903, prefaciada por D. João da Câmara, inclui meia centena de poemas, entre os quais Penas, dedicado ao seu irmão, Eduardo Caldeira. Fernando Caldeira é ainda o patrono da Escola Básica do 2º e 3º ciclos de Águeda. Não há qualquer livro do autor disponível no mercado.


Nas bancas!


JL 1018

AMAR AMÁLIA

No 10º aniversário da sua morte, dez ‘olhares’ sobre a diva, com textos e testemunhos de, entre outros, Bruno de Almeida, David Ferreira, Fernando Dacosta, Jorge Fernando, Nuno Vieira de Almeida, Tiago Torres da Silva e Vasco Graça Moura


ANTÓNIO LOBO ANTUNES: A VIDA TODA

Entrevista (sobre o novo romance) de Luís Ricardo Duarte


A ARTE NOS ANOS 70

O que vai ser a grande exposição na Gulbenkian • Histórias de uma década experimental


Figura: Anália Torres • Os bastidores da ópera Crepúsculo dos Deuses • Pré-publicações de João Ubaldo Ribeiro, F. J. Viegas, João Miguel Fernandes Jorge e Mário Zambujal • O que ver no DocLisboa • A autobiografia de Emília Nadal


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Alô, Belém, escuto

Se os presidentes tivessem cognomes como os reis, as venturas da nossa república seriam ainda mais ilustráveis. Eanes, o sisudo, claro está, é sabido que o general é mais duro de roer do que os guardas da rainha de Inglaterra. Soares, com certeza, o viajado, até se dizia, por graça, que Deus está em todo o lado enquanto o Mário Soares já esteve. Sampaio, o Chorão, porque foi o chefe-de-estado que, tal como a fadista Mariza, nunca se escusou a verter uma lágrima sempre que a situação o exigia. Quanto ao nosso actual Presidente, o cognome está encontrado: Aníbal, o calado, o Presidente Tabu, que não fala ou que quando fala ninguém entende, ou pensa que mais valia estar calado. Se houvesse escutas em Belém o mais provável é que tivessem resultado numa fita em branco.

Outrora as escutas eram feitas com um copo encostado a uma parede, hoje existem para isso sofisticados gravadores. Outrora a correspondência era violada, hoje os e-mails são vulneráveis. Mas Aníbal Cavaco Silva fez, entre outras, uma baralhação electrónica, que deixou o país em estado de choque tecnológico. Começou a falar de escutas e acabou a falar em e-mails, não sabendo, porventura, que os e-mails não se ouvem, a não ser que tragam atrelados um ficheiro de MP3 ou um vídeo do Youtube.

Houve ali uma elipse extraordinária, que passou inclusive pelas suas férias no Algarve, na vivenda Mariani e uma visita a Querença. Os mais velhos dizem que o discurso lembrou os de Américo Tomás. Só que no tempo deste não havia e-mails. Cavaco questionou a segurança da sua caixa de correio electrónica. E, não se sabe bem porquê, naquele dia, nem antes nem depois, talvez por lhe dar jeito ao discurso, consultou alguns técnicos, que é como quem diz, chamou o Help Desk.

Todas as caixas de correio electrónico são vulneráveis, como é que a de Cavaco não havia de ser? Se os hackers entram inclusive nas páginas da FBI e da Casa Branca, não haviam de ser os serviços informáticos de Belém que lhes iriam cerrar as portas. Pois está claro que os responsáveis lhe comunicaram que tem vulnerabilidades. Então, o Presidente, solicitou um estudo para reduzir essa mesma vulnerabilidade. Sem pensar muito, o técnico eventualmente terá dito: talvez não fosse má ideia se o Presidente usasse outra password que não Boliqueime. Poderá ser Mariani? Não, porque tem poucos caracteres. Que tal algo totalmente insuspeito como…. José Sócrates?