sexta-feira, 17 de julho de 2009

Cuidado com o degrau

As primeiras escadas rolantes públicas do país foram armadas no Shopping Brasília, no Porto, no início da década de 80. As pessoas iam ao centro comercial só para ter aquela experiência inolvidável de subir e descer, descer e subir, com a mesma emoção de quem anda na roda gigante. Mais do que um instrumento prático, era uma diversão, suficientemente nova para suscitar a curiosidade de locais e forasteiros. O Shopping Brasília, que inspirou Carlos Tê para a letra da Rapariga do Shopping, tornou-se um fenómeno nacional, com milhares de visitantes e lojas prósperas. O modelo de centro comercial multiplicou-se por todo país. Até que, os mais antigos, os de média dimensão, entraram em profunda decadência. Incluindo o próprio Brasília, outrora rei, hoje mono. Devia-se fazer um documentário sobre o Brasília. João Nicolau rodou ali parte do seu mais recente filme de ficção, Canção de Amor e de Saúde, distinguido agora com o prémio nacional do Curtas de Vila do Conde. Em grande.
Voltemos às escadas rolantes. Brilhante invenção. Chegou ao Porto e a Portugal com quase um século de atraso. Quem teve a ideia foi o americano Jesse Reno, em 1897. Eram pouco mais do que estudos, desenvolvidos depois por Charles Seeberger e, finamente, comercializados pela Otis. As primeiras escadas funcionais apareceram em Paris e em Londres nos anos 20.
Imagina-se que falar de uma escada rolante, no final do século XIX ou no princípio do século XX, soaria tão fantástico quanto imaginar um carro voador. Hoje tornou-se um dos grandes símbolos comerciais. As escadas rolantes são apanágio de centros comerciais e grandes armazéns. Tornaram-se lugares comuns, a tal ponto que hoje até há quem prefira apanhar o elevador. Para muitos, como as crianças, continuam a ser atractivas, porque é tentadora a ideia de nos deixarmos levar.
A invenção do tapete rolante não teve metade do mérito. Alguém pensou: «E se fizéssemos umas escadas rolantes sem escadas?» Revelou-se útil, porque funciona na horizontal e permite o transporte de volumes.
Genial, genial foi a invenção da escada, a que não rola. Alguém que pensou: «Isto é mais fácil de subir se cavarmos uns socalcos». Com a vantagem de ficar menos escorregadio, mesmo para quem desce... A invenção remonta à antiguidade, há quem arrisque falar em 2000 a.C. Os primeiros a usá-las foram os egípcios e os hebreus. A partir daí tornou-se mais fácil subir. Mas também passou a haver quem caísse das escadas abaixo. Até que, no século VII a.C, Willem Strügenföelznachemann inventou o corrimão. E agora já temos ao que nos agarrar.

5 comentários:

{anita} disse...

epá, acabei de aprender tanta coisa! é fácil esquecermo-nos de que se o corrimão existe, alguém o inventou...

manuel cardoso disse...

Gira, a ideia do artigo. Mas não é verdade que as primeiras escadas rolantes públicas do país tenham sido as do Brasília!

Manuel Halpern disse...

Boas!
O Homem do Leme errou!
Recebi este mail esclarecedor da Marina Tavares Dias:

«As primeiras escadas rolantes do país foram as do Grandella (inauguradas em 1959), logo seguidas pelas do vizinho Eduardo Martins. No final dos anos 60, outras, com vários lanços intermináveis, passaram a servir o acesso ao cais da estação de metro Parque.»

Fui induzido em erro por outra pessoa. Peço desculpa aos leitores

Vicente Ferreira da Silva disse...

Belo artigo!

O que foi e o que é. Curiosamente, as escadas rolantes originais do Brasilia foram substituídas por modelos mais recentes e económicos.
Com elas, foi-se a principal simbologia duma época.

Cumprimentos
Vicente Ferreira da Silva
do Inatingível e outros Cosmos
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a distância entre a porta ajusta-se ao momento do destino.
tal como as escadas rolantes são ilhas,
onde as pernas se imobilizam,
duplicando um movimento que não se perpetua.

só num local
– indefinível, porque obscuro,
algures, porque discreto –
as acções são duais.

mas a transposição para esse lugar implica
a queda num buraco octogonal de espelhos cansados.

como o homem não pode conviver,
simultaneamente como o passado e o futuro,
a queda requer faces vedadas aos segredos disponíveis
e deformados pela velocidade horizontal do salto na penumbra.

até que as correias electromagnéticas se façam sentir
a aceleração será uma constante e a fé será posta à prova
por um corpo abandonado ao seu próprio ónus,
ao sabor das gargantas profundas da gravidade.

não haverá pára-quedas.
são chuvas que libertam a torrente de memórias gastas.
e, em minúsculos pontos que brilham nas paredes do fosso,
ocorrem explosões de astros
puxando os dedos na direcção da entrada,
como um instinto que procura sobreviver à redenção do momento.

nada inverte o passo dado!
nem a espuma dos cometas diurnos
ou o trilho das bolhas de sabão suspensas o consegue.
tudo depende do sangue da fé!
e esta depende dos neurónios do desejo,
entregues ao mais perfeito êxtase,
siderados pela inclinação do sigma constelado.

relata-se um sonho gerador de pensamentos.
alguns sumptuosos, outros nem tanto,
que fixam os orbes oculares do rosto no véu da lamentação.
o aviso ainda ressoa inteiro
e apesar de esgotados em tentação, os olhos permanecem cerrados.
a sinopse da escolha é inevitável!

no movimento imóvel iniciado está presente o término
porque as ilhas são pontos selados,
e a certa altura os pés retomam o caminho,
na companhia prazenteira da paisagem,
bebendo em goles as cores congénitas da natureza.

estes ciclos ajudam a circulação da seiva encarnada,
criando ondas retemperadoras onde nada se vê.
todavia, a meio do percurso,
a amplitude do sentir transborda os limites do corpo
e a essência renovada acompanha os espelhos cansados
no entrelaçar à génese da raiz das árvores.

quando os movimentos encontram o ritmo do movimento
são necessárias fendas nos reflexos e feridas na epiderme,
pois é pelo rasgar que irrompe a beleza no uníssono.
e o peso do corpo torna-se avassalador.
mas, na dor que é origem, os gritos são silenciosos.

as formas informes ocupam o buraco horizontal
e a ígnea chama que sempre existiu brilha no azul da alma
porque o interior da natureza é índigo.
é aqui que o calor funde as existências
e o apelo ao abraço fresco do cosmos é recitado.

mas não haverá ventos estivais,
apenas um manancial em repouso
onde o impacto do corpo ressuscitará.
só no imo as preces de louvor são índole de carácter!
só a desfragmentação individual se unirá à unidade!

após a odisseia metamórfica no colectivo do coração
a distância entre a porta ajusta-se ao momento do destino.

é neste ínterim que a força do novo homem se transfigura.
regressado da dualidade, resgatado para a realidade.

em corpo presente!

Alexandre Correia disse...

Caro Manuel,

Acabei de verificar que Marina Tavares Dias já o esclareceu quanto aos estabelecimentos que foram pioneiros no uso de escadas rolantes em Portugal. Seja como for, achei interessante o texto como, de resto, a generalidade dos conteúdos.

Cumprimentos,

Alexandre Correia