Por Vítor Oliveira Jorge
A nudez atrai? A nudez nunca é nua (ou seja, como tal não existe): o corpo sem roupas continua a ser um universo de signos. O próprio facto de um corpo se apresentar sem roupa é um trazer para a frente violento de um conjunto de signos, não os que estavam tapados (e que por só podermos entrevê-los ou adivinhá-los "funcionavam" de outra maneira), mas evidentemente os que são criados por esse destapamento. É o próprio destapamento, o seu movimento, ou intenção imaginada de tal acto acontecer, que desponta eventualmente o interesse. Um corpo desnudado não é uma verdade desvelada, é um outro tipo de encenação. Claro. Por isso o corpo do naturista, o corpo erótico e o corpo pornográfico (entre múltiplos) são coisas totalmente diferentes. Uma mulher que amamenta em público tira aos seus seios qualquer pregnância erótica, por exemplo - eis uma banalíssima ideia. E no entanto, tudo depende de quem e como olha para ela, nessa sobre-exposição de si.Não existe uma realidade feminina, existem mulheres, cada qual diferente da outra.Por isso não tem sentido por exemplo perguntar: por que atrai a nudez feminina?O que seduz é o jogo das permutações e metamorfoses, sobretudo se forem sustentadas, isto é, se uma pessoa tiver algo para além dela que valha mais que ela: é esse o foco da sedução. A sedução é uma força, num certo sentido produz-se, mas a maior parte das vezes esfarela-se no ar: não há ninguém que se deixe seduzir por aquilo que alguém pensou, sentiu, intuíu ser irresistível.A parafernália dos arranjos femininos, no seu sentido corrente (moda, roupas, sapatos, maquillage, cabeleireira, etc) sempre me fez um bocado de impressão: para quê tanto adereço em cima de algo que podia ser sedutor num sentido mais económico?... pois se uma simples reflexão genuína ou um evanescente gesto são o que nos prende e seduz... de uma forma tão subtil e fina! O mesmo à medida que observo o masculino e os seus tiques e arranjos. E quando passamos para as trans-sexualidades, bi-sexualidades, homosexualidades, fenómenos tão comuns, a estranheza (não repulsa nem menor consideração) acentua-se: é uma catadupa de máscaras, de enigmas. Não estou com isto a naturalizar a heterossexualidade e a considerar os outros fenómenos marginais; longe disso. Faz tudo parte da panóplia estranha do humano.Qual, apesar de tudo, o meu modelo de uma nudez feminina? Não tenho, é impossível definir, precisamente, tal generalidade: há uma textura e uma movimentação físicas que são algo de enigmaticamente atraente quando se apresentam desprovidas de artifícios demasiado evidentes. É no disfarce dos artifícios que está a performance perfeita, quando o artificial se cola à imagem espontânea, quando o longamente fabricado se apresenta como nu de fabricações e artificialidades: na pura presença do seu oferecimento. Mas, tal como na banal performance, ela tem sempre de ter um grão ou ruído, uma falha, um "pequeno objecto a" por onde se insinua a nossa atenção desejante. A performance perfeita é a da máquina, ou do monumento: esfria, assusta, torna impotente. Ora o acto de alguém se entregar a outra pessoa/ corpo, a essa mistura do abismo, é sempre muito complicado, é, como toda a decisão, uma loucura. Também da parte do masculino (pelo menos do masculino heterossexual em relação ao feminino do mesmo "tipo") todo o cuidado é pouco, porque qualquer objectificação do (a) outro(a) pode conduzir ao falhanço, à sobreposição da vigilância relativamente à imersão: eu não posso deitar-me ao abismo e ao mesmo tempo ficar na margem a ver-me cair. Mas isso acontece. E no homem não há modo de disfarce: não se pode encenar credivelmente um orgasmo, para ir à crueza das coisas! De modo que neste campo as mulheres têm um poder enorme.Tudo isto é complicado, e longe, bem longe, da maquínica congeminação médica ou sexológica. Um corpo nu é em princípio um evento, porque não há em geral nudez ou semi-nudez pública, excepto em certos locais designados. Mas um evento que pode ser uma catástrofe. E é dessa catástrofe, mais até do que da contaminação (esquecida lamentavelmente na nossa loucura) que temos medo, ao aproximar-nos de outrem sob a forma de corpo: que nos irá esperar? Quem (o quê) se nos entrega assim sob a forma do mais disfarçado desamparo? Quem come quem? Quem deglute quem? Este é o jogo social todo, nos seus extremos. Um jogo de poder, como sabemos há tanto tempo, dentro de uma sala forrada de espelhos, incluindo tecto e chão.
O arqueólogo Vítor Oliveira Jorge assina esta crónica mensal no Blogue de Letras
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