Nunca compreendi as virtudes da neutralidade, talvez por isso ainda não tenha visitado as Suíças deste mundo. Nos tempos em que as mães portuguesas agradeciam a Salazar o alegado esforço diplomático deste para manter o país fora da II Guerra Mundial, Miguel Torga (nas páginas do seu Diário) era uma das poucas vozes que se insurgia contra esta posição, não hesitando em qualificá-la de cobarde contemplação da desgraça dos outros. A seus olhos, nada, nem sequer a penúria militar do país, justificava tão obstinado encolher de ombros ante a barbárie que se desenrolava aqui ao lado.
Num filme ainda em exibição – No Limite do Amor, de John Maybury – é a não intervenção de Dylan Thomas (na foto), também durante a II Guerra Mundial, que é questionada. Objector de consciência, o poeta ficou em Londres a emprestar eloquência a textos de propaganda patriótica e a discutir política com ocioso cinismo. O argumento do filme relaciona esta escolha com posteriores actos de cobardia de Thomas, mas, embora se possa achar a ligação abusiva, a opção de ficar em Londres, vestido como um dandy enquanto os seus compatriotas repeliam, com enorme custo, a invasão nazi, macula-lhe a biografia.
Felizmente, nem todos se permitem tão decepcionantes incoerências. José Saramago, por exemplo, não se demite de intervir social e politicamente sempre que a ocasião o reclama. Mais do que o direito à indignação, o escritor sente a intervenção pública como o dever de quem sabe que, por mérito próprio, se tornou uma voz escutada. Enquanto a União Europeia, entre a complacência e o embaraço, se ri da boçalidade de Sílvio Berlusconi, o Nobel português denuncia o modo selvático como o italiano ameaça as liberdades e direitos do indivíduo e, por arrasto, a História e Cultura. «Esta coisa, esta doença, este vírus ameaça ser a causa da morte moral do país se um vómito profundo não conseguir arrancá-lo da consciência dos italianos antes que o veneno acabe corroendo as veias e destruindo o coração de uma das mais ricas culturas europeias», escreveu no El Pais. Assim mesmo, sem pruridos nem cuidados. Não estamos em tempo para eles.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
O dever da indignação
Publicada por maria joão martins à(s) 16:08
Etiquetas: Par ou ímpar
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