
João Rosas: Sim, há muita admiração, mas também distância. Por um lado, sentia-me londrino, por outro, continuava a ser um estrangeiro. Mas essa é a própria riqueza da cidade, como digo no início do filme. Por mais coisas que não goste, continuo a adorá-la. Acima de tudo, é uma homenagem a uma Londres que senti necessidade de ‘embalsamar’ dentro de mim.
É por isso um retrato de uma cidade habitada por pessoas e por circuitos turísticos?
Exactamente, porque esses circuitos turísticos não faziam parte do meu dia-a-dia. O filme é fruto de uma relação directa com Londres, como se estivesse a fazer um diário daqueles bairros do leste da cidade, que estão a passar por uma profunda recuperação urbana e artística, por causa dos Jogos Olímpicos.
Como surgiu depois a pintura?
Sempre me interessou fazer um filme sobre Londres, sobretudo porque me fascina a quantidade de vidas que é possível viver nela. Mas a certa altura via-me num beco-sem-saída. A dificuldade era ter a cidade como personagem principal. A pintura surgiu por acaso. Uma noite, estava à porta de um bar, a fumar um cigarro, quando conheci uma rapariga que me disse que pintava cidades. Outro acaso levou-me ao conhecimento da sua obra. Quando me disse que ia começar um novo quadro decidi arriscar, mesmo não tendo nada planeado. As filmagens no estúdio foram feitas primeiro, só depois o discurso sobre a cidade.
Num jogo de espelhos, a montagem do documentário sugere que se conhece melhor a cidade através da pintura, e a pintura através da cidade.
Foi essa a intenção, embora tenha evitado fazer um filme sobre artes. Tal como ela usa padrões e colagens, eu tentei criar essa sensação de camadas, de sentidos que se sobrepõem, como se fosse de facto um diário da minha vida em Londres. Porque os jornais, as lojas e os transportes que faziam parte do meu dia-a-dia estão lá todos.
Por que razão privilegiou a câmara fixa, sem movimento?
É uma opção estética, um registo que sempre me interessou e que já vem das curtas-metragens, na linha de um realizador japonês que gosto muito, Yasujiro Ozu. Além disso, há um aspecto prático: filmei sempre sozinho. No entanto, mesmo com outros meios, seria igual. A ideia foi escolher os enquadramentos e deixar que a cidade entrasse na sua coreografia.
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