De um lado, Yasujiro Ozu, do outro, Pedro Costa. De um a forma de conceber o enquadramento. Do outro a radical postura face à indústria do cinema. É nestas duas grandes referências que João Rosas procura inspiração para mergulhar no mundo da sétima arte, na qual começa a dar os passos decisivos. Depois de algumas curtas-metragens e da frequência do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística, o realizador português, nascido em Lisboa, em 1981, leva ao Indie Lisboa a sua estreia na longa-metragem. Em Birth of a City, que passa hoje, às 21 e 45 , no Cinema Londres (com nova exibição, na mesma sala, dia 1 de Maio, às 15), lança-se um olhar sobre a cidade onde viveu nos últimos três anos. E é no confronto com a pintura de Claire Fahys que Londres, afastada dos circuitos turísticos, se revela. Num registo íntimo e diarístico, esta «tentativa de filme», como João Rosas lhe chama, feita de fragmentos do quotidiano, é uma resposta ao apelo da cidade.
Jornal de Letras: Este documentário é o testemunho de uma relação ambivalente com Londres, entre o amor e o ódio, a identificação e a estranheza?
João Rosas: Sim, há muita admiração, mas também distância. Por um lado, sentia-me londrino, por outro, continuava a ser um estrangeiro. Mas essa é a própria riqueza da cidade, como digo no início do filme. Por mais coisas que não goste, continuo a adorá-la. Acima de tudo, é uma homenagem a uma Londres que senti necessidade de ‘embalsamar’ dentro de mim.
É por isso um retrato de uma cidade habitada por pessoas e por circuitos turísticos?
Exactamente, porque esses circuitos turísticos não faziam parte do meu dia-a-dia. O filme é fruto de uma relação directa com Londres, como se estivesse a fazer um diário daqueles bairros do leste da cidade, que estão a passar por uma profunda recuperação urbana e artística, por causa dos Jogos Olímpicos.
Como surgiu depois a pintura?
Sempre me interessou fazer um filme sobre Londres, sobretudo porque me fascina a quantidade de vidas que é possível viver nela. Mas a certa altura via-me num beco-sem-saída. A dificuldade era ter a cidade como personagem principal. A pintura surgiu por acaso. Uma noite, estava à porta de um bar, a fumar um cigarro, quando conheci uma rapariga que me disse que pintava cidades. Outro acaso levou-me ao conhecimento da sua obra. Quando me disse que ia começar um novo quadro decidi arriscar, mesmo não tendo nada planeado. As filmagens no estúdio foram feitas primeiro, só depois o discurso sobre a cidade.
Num jogo de espelhos, a montagem do documentário sugere que se conhece melhor a cidade através da pintura, e a pintura através da cidade.
Foi essa a intenção, embora tenha evitado fazer um filme sobre artes. Tal como ela usa padrões e colagens, eu tentei criar essa sensação de camadas, de sentidos que se sobrepõem, como se fosse de facto um diário da minha vida em Londres. Porque os jornais, as lojas e os transportes que faziam parte do meu dia-a-dia estão lá todos.
Por que razão privilegiou a câmara fixa, sem movimento?
É uma opção estética, um registo que sempre me interessou e que já vem das curtas-metragens, na linha de um realizador japonês que gosto muito, Yasujiro Ozu. Além disso, há um aspecto prático: filmei sempre sozinho. No entanto, mesmo com outros meios, seria igual. A ideia foi escolher os enquadramentos e deixar que a cidade entrasse na sua coreografia.
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