segunda-feira, 21 de abril de 2008

Vou cantar fado a vida inteira

Entrevista a Camané



Camané lança hoje o seu novo álbum, Sempre de Mim, que inclui inéditos de Alain Oulman. O Blogue do JL entrevistou-o

Blogue do JL: Este disco é óptimo. Mas o anterior também era muito bom. Consideras mesmo Sempre de Mim o melhor dos teus discos?
Camané:
Existe mais maturidade neste disco. Sempre achei que a minha personalidade e o meu crescimento tinham de acompanhar a minha arte. Houve coisas em que me ultrapassei. A humildade de conseguir sair de mim para estar livre naquilo que estou a fazer. Às vezes era assaltado por pensamentos no meio do fado que perturbavam o que estava a cantar. Aconteceu uma liberdade de estar nas coisas sem me pôr em primeiro lugar. Já o tinha conseguido nos outros discos. Mas não tanto como agora. No momento em que se canta é preciso estar completamente limpo. Interiorizar aquelas palavras e fazer delas as minhas. É isto que eu estou a dizer, é isto que estou a cantar.
Cada fado tem uma história, e uma emoção. É preciso passar o registo emocional que se adequa. Para que não existam sentimentos exagerados.

Sete anos… Porque esperámos tanto tempo?
Não fazia sentido sair um álbum meu ao mesmo tempo dos Humanos e de outras coisas que eu fui fazendo.

À partida, o estúdio é um local pouco natural para um fadista…
Para mim cada vez é mais natural. Apesar de preferir estar num concerto. O estúdio é outro registo. O lado cirúrgico das coisas. Construir e reconstruir.

Olhando para o reportório, não será este o mais amaliano dos teus discos?
Estes temas nunca foram cantados pela Amália. Embora a própria maneira do Oulman cantar nas gravações seja amaliana. Sempre aconsiderei uma grande referência. Mas tenho uma voz completamente diferente. Consegui criar um estilo muito meu. Enfim, estão presentes pessoas muito ligadas à Amália. Mas não é um disco amaliano.

Mas tu és um admirador incondicional…
Sou e vou ser a vida inteira fã da Amália. Mas uma coisa que eu sempre tive o cuidado foi não cantar um fado dela num disco meu. As versões que ela fez são praticamente definitivas. Neste disco pensei em incluir Asas Fechadas. Mas depois não gostei do resultado.

Não puseste a hipótese de fazer um disco só com os inéditos do Oulman?
Sim, passou-me pela cabeça. Mas muitos deles são da Cecília Meireles, e há muitos problemas com os direitos. Além disso, gosto muito da poesia dela. Mas, se calhar, ainda não tenho idade para cantar aquilo. Funcionaria muito bem na terceira fase da Amália... Até pensei em pedir a alguém, para escrever outras letras, respeitando os motes do Alain Oulman.

A Amália dizia que o Camões era um grande fadista, mas Pessoa não sabia cantar?
A Amália tinha opções incríveis de músicos e de poetas do fado. O Pessoa adequa-se ao fado tradicional. Funcionou na minha forma de cantar.

Quase todos os fados deste álbum são tradicionais. Porquê?
Tenho um medo enorme de cantar novas músicas no fado, porque receio fazer uma coisa que eu não goste e de que me arrependa mais tarde. De cantar uma cançoneta qualquer. Isso para mim não faz sentido nenhum.

Muitos desta fados já cantavas, com outras letras, quando eras miúdo e andavas pelas colectividades…
Cantei os fados tradicionais quando tinha dez anos, com outros poemas, O Varela, o Liças, o Jovita… Mais tarde apaixonei-me por outros fados tradicionais, e nunca mais voltei a estes…

Não deve ter sido fácil cantar o fado em criança e na adolescência. O que te diziam na escola?
Ninguém se identificava com o que eu fazia. Gozavam por eu ser fadista. E eu inventava histórias a dizer que cantava outros tipos de música. A única estratégia que existe para a minha vida é poder cantar. As coisas conjugaram-se para poder fazer aquilo que eu gosto. E dar algumas coisa às pessoas com isso. Acho que vou cantar fado a vida inteira.

1 comentários:

Anónimo disse...

Camané, um grande nome da música portuguesa que infelizmente, na nossa opinião, é muita vezes esquecido... uma forma diferente de ver e de cantar o fado, também é assim que o fado se renova e sobrevive...