Há autores que aparecem e desaparecem, que perduram no tempo segundo uma estranha mecânica de visibilidade. É o caso de Stefan Zweig, poeta, romancista, ensaísta e biógrafo, muito popular até à década de 80. Regressa agora em duas editoras, que revelam duas facetas distintas da sua prolixa ficção – a última vez que tínhamos ouvido falar dele foi em 2005, quando a Assírio e Alvim publicou as suas memórias, coincidindo com a edição portuguesa da monumental biografia que o brasileiro Alberto Dines lhe dedicou, Morte no Paraíso.
Conhecido sobretudo pelas suas biografias históricas, como Magalhães, O Homem e o Seu Feito (também da Assírio e Alvim), Stefan Zweig foi, através dos seus romances, um persistente indagador da mente humana. E, em particular, da forma como as mulheres, subjugadas pelos costumes e pelas tradições de uma sociedade patriarcal, viviam as suas emoções mais profundas. Os melhores exemplos desta aproximação ao Outro são duas novelas que A Esfera dos Livros acaba de lançar: Vinte e quatro horas na vida de uma mulher (100 pp, 11 euros) e Carta de uma desconhecida (64 pp, 11 euros). Narradas na primeira pessoa, são dois livros sobre o amor e a paixão quando sentidos avassaladoramente, irrepetíveis e por isso mesmo inesquecíveis. Amor e paixão que só podem voltar a ser vividos na dolorosa recordação dos momentos que deram sentido a uma existência posteriormente sem chama, desinteressante. Apagada. Para o leitor português, ecoa nestas duas obras a violência confessional das cartas de Mariana Alcoforado, em que a felicidade e a tragédia arrebatam os sentimentos. Estas personagens, como diz a certa altura a Sr.ª C, em Vinte e quatro…, jamais perceberão «de que modo a natureza condensa, às vezes em meia dúzia de breves tractos respiratórios, o calor e o frio, a morte e a vida, o encanto e o desespero de modo tão magnífico e fantástico (p. 57)».
É este prazer de Stefan Zweig em «compreender» mais do que em «julgar» que caracteriza Carta de uma desconhecida, em que uma vida inteira de devoção a um homem é revelada numa missiva, e nos dois contos publicados pela Bico de Pena, Candelabro Enterrado e Raquel contra Deus (120 pp, 11 euros). Aqui, no entanto, a toada religiosa, enraizada na tradição judaica, é dominante. A preocupação do escritor austríaco foi a de reflectir sobre o terror e a generalização da xenofobia que, em 1937, já se sentia por toda a Alemanha. E que conduzia à questão: «Como pode um Deus infinitamente bom permitir o infinitamente mau?»
Redescobrir a sua obra é confrontarmo-nos com uma escrita vigorosa – por vezes excessiva e rebuscada na caracterização das personagens e dos sentimentos – mas sempre colocada ao serviço da compreensão da essência da humanidade. A mesma em que o próprio Stefan Zweig deixou de acreditar quando, em 1942, se suicidou com a mulher, no Brasil, onde se exilara.
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