quinta-feira, 24 de abril de 2008

Álvaro Lapa: A Literatura, de Jorge Silva Melo

Jorge Silva Melo tinha 16 anos. Um dia, em que passeava pelo Campo Grande, entrou na Livraria 111, que então albergava a galeria com o mesmo nome. Avançou pelas salas e, ao fundo, uma exposição com obras de Álvaro Lapa, António Sena, Palolo. Foi uma descoberta extraordinária, que o marcou profundamente. Corria o ano de 1964. «O mundo abria-se com uma liberdade que eu não suspeitava». Percebeu que era a esse mundo que queria pertencer.
E por aí seguiu. Até hoje. O que na altura não poderia suspeitar era que muitos anos depois haveria de assinar vários documentários sobre os artistas que aí descobriu.
Agora, um novo passo no mapeamento desse universo é dado com a estreia de Álvaro Lapa: A Literatura, no Indie Lisboa. De Lapa terá visto «quase todas as exposições e as transformações».«Era como se ele não se escondesse», assegura. Este fi lme surge dessa partilha e da vontade de desvendar uma obra que Silva Melo considera «enigmática – ninguém sabe ao certo por que nos comove.»
O documentário teve uma primeira versão, em 2006, intitulada As conversas de Leça em casa de Álvaro Lapa, onde se recuperavam seis anos de encontros nos quais se refazia uma vida inteira. No entanto, com a morte de Álvaro Lapa, um dos mais importantes artistas da segunda metade do século XX, levantaram-se algumas questões. «Fazer um documentário sobre uma pessoa viva é uma coisa, fazer um depois dela ter morrido, é outra», lembra o encenador e director dos Artistas Unidos. A opção foi reconstituir a viagem que fez de Viseu a Lisboa, no dia em que soube da sua morte, na companhia do
actor Pedro Gil, desfiando memórias, convivências, obras, exposições, interpretações. «Falo de mim e dele, do que entendo e não entendo, falo de literatura», descreve.
É com persistência que Jorge Silva Melo tem dado um novo fôlego à sua veia cinematográfica, iniciada, em 1980, com Passagem ou a meio caminho. E não há revés ou contrariedade que o demova. «Sou feito de filmes e gostava de estar sempre a fazê-los», confessa, para acrescentar com ironia: «Tenho-me apresentado a todos os concursos possíveis do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e sou sempre recusado». No currículo, gosta de destacar o chumbo da ideia de fazer um musical a partir de A Fábrica de Nada, de Judith Herzberg: «Recusaram dada a origem teatral do projecto, coisa que não sei se diriam do Robert Wise, quando fez West Side Story, ou do George Cukor, com My Fair Lady.»
A solução tem sido encontrar outras formas de fi nanciamento, negociados caso a caso, como aconteceu com Álvaro Lapa: A Literatura. Angariou apoios junto da Gulbenkian e da EDP, na sequência do Grande Prémio de Artes com que a eléctrica o distinguiu, em 2004. «Só dois concursos depois da morte do Lapa é que chegou o subsídio do ICA», remata.
Estudada a lição de sobrevivência em Portugal, não baixou os braços e tem neste momento quatro projectos em curso. Três documentários em rodagem, sobre os pintores António Sena e Ângelo de Sousa e a Cooperativa Gravura, este a convite da Caixa Geral de Depósitos, que promete muitas novidades. Em pós-produção está a curta-metragem Felicidade, com Fernando Lopes, Pedro Gil e Miguel Borges.
No seu conjunto são filmes que vão criando uma teia de afectos e afinidades estéticas, que recuperam ambientes, intenções e percursos com os quais Jorge
Silva Melo se tem cruzado ao longo da vida. E o que mais o fascina no cinema é essa possibilidade de fixar rostos e identidades: «Por isso me encantam estes documentários em que, impunemente, filmo horas de caras de gente a pensar, a tentar exprimir-se. Adoro isso. Sinto-me bem com isso, caras».
Teatro Maria Matos 1, dia 25, às 21 e 30
Cinema São Jorge 2, dia 29, às 21 e 15

0 comentários: