quarta-feira, 12 de março de 2008

Inventário, de Alexandre O'Neill

Um ruído de torneiras em plena missa
Um gato passeado pelo desejo
Uma esposa coberta de caliça
Um despejo

Um congresso que dorme inaugurado
Uma condessa de sovaco triste
Um excremento muito mal logrado
Um mimo a que ninguém assiste

Um repelente menino Vicente
Posto na vida só p’ra ter juízo
Um incisivo e solitário dente
Carregado de riso

A miúda que vem maneirinha
Ao encontro na Praça do Chil’
E a voar como uma andorinha
Do meu coração til

Uma d’óculos a olhar de lado e é pró pecado
Uma torpe saborosa canção
Um rápido encontro falhado
Um dia de bruços no chão

Um tinto vomitado na areia
Uma nuca rachada pelo sol
Um osso a esperar a maré-cheia
Uma petiza pendurada e mole

Um tartamudo na pior altura
Um soluço através de uma ruína
Uma forte implacável dentadura
À dentada subindo pela ravina.

Numa contagem decrescente para o Dia Mundial da Poesia o Blogue do JL publica, até 21 de Março, um poema por dia.

0 comentários: