Cidadão pacato, cumpridor dos seus deveres, quase satisfeito na sua condição de Polícia Militar reformado e recatado na cidade de província onde vive. Assim é a personagem de Tommy Lee Jones no filme de Paul Haggis, No Vale de Elah: uma espécie de herói americano tal como o «desenhou» o cinema e a literatura, em que um sentido inato de ética convive com uma reserva gentil sobre si e os outros.
Mas os tempos não correm de feição a heróis. O filho que lhe resta (o mais velho morreu há anos num acidente militar) desapareceu em circunstâncias suspeitas dias depois de regressar de uma missão no Iraque. Conhecedor da teia de burocracias que envolve o processo de averiguações sobre o que, de facto, aconteceu, não cruza os braços e decide envolver-se pessoalmente na investigação. Para perceber, lenta mas irreversivelmente, que o mundo mudara muito desde que ele voltara da Guerra do Vietname. E, em nenhum caso, para melhor. A via dolorosa que a este homem caberá percorrer na proximidade da velhice (fantástico desempenho de um actor de excepção como é Tommy Lee Jones, sério candidato ao Óscar) levão-lo-á à triste compreensão de que as convicções sobre as quais construira uma vida baseavam-se, afinal, em falsas premissas. A América, o exército, o seu próprio filho já não lhe apareciam imbuídos do ideal de pureza que ele precisava de lhes associar, mas serão, por isso, menos merecedores do seu amor?
Depois do Crash (que há dois anos surpreendeu tudo e todos ganhando o Óscar para Melhor Filme), Paul Haggis volta a fazer um diagnóstico certeiro e muito corajoso sobre as contradições de uma América que, social e culturalmente, não está longe de andar à deriva. Da América? Que digo eu? Basta um olhar à nossa volta para perceber que, também por aqui, os valores mais essenciais se vão dissolvendo num mar de dívidas e inseguranças várias. Também nós deveríamos hastear a bandeira às avessas, em sinal de SOS. E ousar precisar dos outros.
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