segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

No tempo do vinil


Não vendia trapos e cacos e contradições, mas apenas discos. Os agora velhinhos discos de vinil que na altura ainda rodavam nos gira-discos de toda a gente. Eram bonitos, grandes, riscados ou novos. Eu vendia-os. Assentava o caixote no início de uma ladeira da Feira da Ladra, ao lado de outros vendedores de discos. Entre os quais, o Bruno Bènard-Guedes, hoje director da revista Op. Nenhum de nós gritava: «Olha o belo disco, é a cem!». Mas quando se avistava a polícia, apanhávamos o caixote e mudávamos de sítio, assim como os ciganos. Não tinha licença nem idade para obtê-la.
Apenas ficávamos ali, encostados, a conversar sobre música, enquanto os melómanos de circunstância folheavam os discos e, de vez em quando, até os compravam. Mas, verdade seja dita, o mais frequente era regressar a casa com mais discos do que os que tinha levado. Fazíamos muitas trocas. Para mim, a Feira da Ladra foi uma autêntica escola. Ouvia conselhos dos mais velhos e fazia por satisfazer a minha curiosidade adolescente. Muitas bandas conheci eu assim.
Um dia apareceram por lá uns marinheiros russos com uns discos debaixo do braço, dispostos a trocar dois por um. Na altura, o muro ainda não tinha caído e, por aquelas bandas, um álbum das Bananarama deveria valer muito. Fiz um óptimo negócio. Ainda conservo na minha colecção as edições russas, estampadas com o alfabeto cirílico, de So, de Peter Gabriel, e Talking with the Taxman about Poetry, de Billy Bragg.
De uma outra vez, numa terça-feira, com pouco movimento, um senhor enamorou-se pelo meu catálogo e comprou-o quase todo. No sábado seguinte, senti-me desolado, por ter tão poucos discos para vender. Mas, aos poucos, entre trocas e baldrocas, lá repus o stock.
Até que, para mal dos meus pecados, chegou o CD. Já ninguém queria vinis. E as bancas foram tomadas por profissionais. Um deles até garantia a publicação de classificados no Blitz a quem lhe desse 300 escudos. Emalei a trouxa e fui para casa ouvir música. Até hoje.

1 comentários:

Lapa disse...

Já leram o livro Memórias do Rock Português de Aristides Duarte?
É notável.