quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

À boleia do 28


«Vá para fora cá dentro.» Slogan publicitário repetido até à exaustão. Infelizmente faz sentido num país que admira tudo o que se faz «lá fora» e despreza aquilo que é realmente nosso. Pode-se começar pelas laranjas. Ridículo, talvez, mas verdadeiro. Gosto de beber sumo de laranja natural de manhã. Corto o fruto, espremo, e bebo. Não é raro um esgar de desagrado. Costuma ser azedo. No outro dia saiu-me uma laranja doce. Era do Algarve. Era melhor que boa. Mas difícil de encontrar na mercearia ao lado de casa. Preferem as marroquinas. É pena.
Tal como as laranjas algarvias, acredito piamente que Lisboa deve ser uma cidade maravilhosa para quem a encontre. Surpreendente na luz, nas gentes, nas ruas estreitas, nos cheiros vindos dos restaurantes que a ASAE ainda não fechou. E, por isso, há alturas em que me apetece ser turista e olhar a cidade como se fosse a primeira vez. Como se não tivesse nascido ou vivido aqui toda a vida.
Foi assim que no outro dia entrei no eléctrico 28. Não sei se existirá alguma coisa mais lisboeta. Apanhei-o na Graça. Sentei-me nos bancos corridos, abri a janela e a apanhar o ar frio de Inverno desci pela Rua das Escolas Gerais, com passagem junto à Feira da Ladra. Admirei o azul do Tejo visto do Miradouro de Santa Luzia. E enterneci-me com os meus companheiros de eléctrico. Turistas de verdade, fotografavam tudo, numa ânsia de guardar para sempre as imagens que a memória podia perder. Ri-me quando percebi que, cúmplices, me imitavam no abrir da janela. Não há muitas hoje que se possam abrir. E, na paragem junto ao Castelo de S. Jorge, depois de uns gritos solícitos por parte do condutor, o eléctrico esvaziou-se para metade.
Não era minha intenção, mas segui-lhes o passo, àqueles que viam a cidade pela primeira vez. E fiquei ali, nas muralhas, a admirar a vista. Os bairros, as colinas que sobem e descem banhadas por uma luz impossível de encontrar em qualquer outra parte de mundo. Ouvia os comentários à volta, de encantamento pela cidade. Voltei ao 28, desci à Baixa, e acabei por voltar à Graça. Mais turistas. Estava eu como eles. Quase sem respirar com a beleza da cidade em que vivo mas que, pela força do hábito, já não vejo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Creo que el mismo 28 tomé, la ultima vez que estuve en Lisboa y como turista, al igual que tu, guardava en cámara todas las imágenes posibles, admirada de la belleza de la ciudad.
Hace 28 años, cuando la habitava , creo que un poco no solo la veía, la aborrecia ¿Que nos pasa?
En la actualidad resido en México .
Y recuerdo con saudade las laranjas do Algarve.

Anónimo disse...

" no solo no la veía"
en vez de: "no solo la veía"

Paula Crespo disse...

Tendemos a não ver o que temos por perto e a desvalorizar o que é nosso. Nada de mais errado. Por mim, adoro demorar-me nos pormenores de Lisboa, uma cidade que recomendo a todos, especialmente aos lisboetas...

P.S.: também já tinha feito uma reflexão deste tipo: http://umaespeciedemim.blogspot.com/2007/12/inverno-e-faz-frio.html