quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Uma escola que seja sua

Gostava de escrever isto de forma a não vos sobressaltar, mas não há maneira: em 2006, no Afeganistão, um director de escola foi decapitado diante da família por um grupo de homens armados. Cometera o «crime» de afrontar uma das leis fundamentais dos talibãs, dando aulas a meninas. No dia seguinte foi preciso explicar o sucedido a estas crianças: não “apenas” o horror da execução, como também o facto, irremediável, de que mais ninguém ousaria levá-las à escola.
Infelizmente, o Afeganistão está longe de ser o único país a favorecer deliberadamente o analfabetismo feminino. Segundo o relatório da ONG Internacional Save the Children, em 70 países do planeta boa parte das meninas são obrigadas a entrar no mercado de trabalho em plena infância. Na Etiópia ou na Nigéria, três quartos das alunas têm de deixar a escola para dar lugar aos rapazes. Mesmo na China, gigante industrial, o índice de sub-escolarização das raparigas é muito elevado. Estima-se que, ao todo, haja no mundo cerca de 200 milhões de meninas impedidas de frequentar a escola.
O que estes governos parecem não entender, para além do respeito pelos direitos humanos mais elementares, é que, como demonstram todos os estudos, o livre acesso do sexo feminino à escola está directamente associado à baixa dos índices de subnutrição, mortalidade infantil, propagação da SIDA e a uma melhor situação económica. Em contrapartida, uma jovem sem escolaridade está muito mais susceptível à pobreza, aos casamentos forçados, à violência sexual e aos maus tratos e tem muito mais possibilidade de criar filhos analfabetos, subalimentados, vítimas de doenças crónicas.
Como travar este flagelo? Em 2000, 189 países assinaram a Declaração Milénio, lançada pelas Nações Unidas, com vista à obtenção da paridade escolar em 2015. Oito anos decorridos, será esta uma meta realista? Três regiões do mundo assinalam ainda atrasos importantes: o Médio Oriente e o Norte de África, a África Ocidental e Central e no Sudeste asiático. Como se escreve no estudo encomendado pela UNICEF, The Gap Report – Gender achievements and prospects in Education, «já falhámos o objectivo da paridade em 2005, não podemos fazê-lo também em 2015.» No primeiro mundo, em que as mulheres ainda enfrentam tantos «obstáculos de cristal» (na política e no quotidiano laboral, por exemplo), não se pode continuar a olhar esta causa como uma acção de caridade ou beneficiência. No mundo globalizado deixou de haver lugar para exotismos. As ondas de choque provocadas pela borboleta, que bate as asas na China, são cada vez mais fortes.

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