Quero contar-lhe uma história. Dou-lhe dois inícios à escolha.
1. Ontem, um prédio na Avenida da Liberdade incendiou-se às 15 e 45, devido a uma fuga de gás.
2. Dar cinco passos, parar, tocar e deixar as cartas. Parecia um dia igual a tantos outros. José Santos, carteiro há mais de 20 anos na Avenida da Liberdade, deu os cinco passos de uma porta à outra, parou, mas não tocou. Cheiro de fumo.
Se escolheu a segunda hipótese, sente-se e beba um copo. Apresento-lhe o Jornalismo Literário. Não, não é jornalismo sobre literatura (como o JL tem vindo tão nobremente a fazer ao longo dos anos), mas um feliz casamento entre as duas coisas. Coisa nova em Portugal, mas que já se faz nos EUA há mais de 100 anos. Mas parece estar a florescer no nosso país, como se viu no Seminário de Jornalismo Literário dos dias 8 9, promovido por Paulo Moura, a grande referência portuguesa nesta área.
A diferença está na forma de fazer: perguntar menos, observar mais e ter um grande cuidado estético – jornalistas mais artistas que técnicos. Isto para contrapor ao jornalismo mecânico que se tornou tradição. Na era do fast-food, fast-internet, fast-pensamento, claro que vinga o fast-jornalismo. Com leads, pirâmides e, principalmente, um espremedor de sumos: quer-se o essencial, sem cascas nem caroços. Mas não nos esqueçamos que não é só o sumo que faz a laranja. Metáforas à parte, os defensores do Jornalismo Literário apresentam-no como o salvador dos jornais, que vivem tempos nada felizes, ainda mais arrastados para o fundo pela famigerada crise económica. Tentar concorrer com a televisão e, pior, com a Internet, seguindo os seus padrões – a notícia aqui e agora –, afigura-se uma clara luta inglória. Os jornais precisam de fazer diferente. Acreditando que as pessoas lêem os textos se eles forem bons, a diferença pode estar na qualidade dos escritos – contar histórias em vez de publicar relatórios policiais. Este tipo de jornalismo não se faz só em livros resultantes de dois anos na floresta Amazónica, mas requer sempre mais tempo do que o telex da Lusa. Para isso, é preciso alguma disponibilidade das redacções. No entanto, numa tentativa de salvar os jornais da extinção (e de fazer render os trocos), as redacções estão cada vez mais pequenas. Obviamente, os três jornalistas que sobram têm mais que fazer que ter conversa de barman com o carteiro. O Jornalismo Literário fica então de fora, em função das notícias que já saíram no Twitter. Ainda está aí sentado? Seguiu o raciocínio? Beba o último gole e responda-me: será que a tentativa de salvar os jornais não os está a matar mais depressa?
sexta-feira, 22 de maio de 2009
E se a literatura salvar jornais?
Publicada por Marta Pais Lopes à(s) 09:00
Etiquetas: Par ou ímpar
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6 comentários:
Muito bem, muito bem (clap clap).
Gostei da abordagem... embora não tenha respostas às questões levantadas... quem sabe esta será uma solução para manter os jornais vivos!
Não há garantias sobre o futuro do jornal em formato papel. Mas SE o jornal em papel morrer, isso não significa,(como parece) o fim DO jornal. Basta que se transforme num jornal online, com o mesmo futuro que existe nos blogs (jornalisticos ou não).
Quem gostar e quiser ler, lerá na mesma.
Também o livro em formato papel teve muitos finais anunciados e é o que se vê. Ia morrer quando chegou o rádio, a televisão, o cd, o vhs, o dvd, a internet, o e-book.
Mas como qualquer produto de (enorme) qualidade, resiste "ainda e sempre ao invasor".
Vi tarde, mas gostei do que li. Sei bem da dificuldade de prender o tempo em coisas deliciosas, quando quase sempre se pede para consumir em vez de saborear. Se os jornais juntarem mais de ambas, é possível que cative mais público. Vou lendo...
espero que seja um casamento feliz e vitalicio, que se relatem todas as noticias o melhor possivel.
Ao ler uma notíca prefiro mil vezes a primeira versão. Gosto muito de literatura não preciso de pseudo-literatura numa informação. Ainda por cima com o péssimo jornalismo que prolifa por cá imagino o que vai sair daqui se todos os jornalistas agora se armarem a escrever contos e romances a partir da notícia de que o Boavista desceu para a 2ª divisão. Estou já a imaginar: "A lágrima corre pelo rosto bronzeado pelo sol dos relvados do ponta-de-lança..." Por favor. Escrevam livros, poesias, contos, mas não misturem as coisas. (E eu sei que isto é o dia a dia do jornalismo americano, que no conteúdo sou grande fã mas na forma por vezes nem por isso, pois bem me lembro do ridículo que achava quando traduzia notícias num emprego de Verão no Wall Street Journal sobre economia e que começavam quase inavariávelmente por "Fulano de tal, ajeita a sua gravata e olha para a paisagem urbana da baixa de Chicago. Na parede do seu escritório o diploma de Harvard reflecte o sol que se põe no horizonte. Etc, etc" e aí lá para o terceiro parágrafo lá diziam o essencial que a empresa X fez uma hostile takeover à empresa Y... Agora digam-me, preferem mesmo esta segunda versão em notícia???
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