quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Sinais de Brel





Varria essa tarde uma poalha cinzenta de vento e luz. Uma tarde quase roxa, com as folhas secas empaparem o chão. Acho que choveu e o Outono seguiu carregado de chumbo. Mas como se sabe a memória devora o tempo, mesmo o meteorológico. Refaço essa tarde assim pardacenta e de aragem colada à cara talvez porque me lembrei do seu plat pays. Nem sei bem se foi nessa tarde ou noutra, em qualquer outra altura. Só tenho a certeza que ficou para sempre cinzenta essa tarde do dia 9 de Outubro de 1978. E também posso jurar que foi Fernando Alves que fez chegar aos meus ouvidos a notícia dessa morte que acinzentou friamente o dia. A morte de Jacques Brel. Fernando Alves era então locutor de serviço de um programa ao princípio da tarde, realizado por Estrela Serrano, na Antena Um. Chamava-se (H)ora Viva e não sei se a memória também se alimenta de letras, porque não me lembro se com ou sem h. mas estou certa que era sempre uma hora muito viva e sempre uma saudação. Também tenho a certeza que o Fernando Alves fez uma emissão à altura de Brel, como era justo e a alma pedia. Tenho a certeza que desarrancou um texto que chispou de raiva e luto sobre a tarde, mas nisso a memória não pode trair, porque ele nunca escreve um texto sem centelha e sentido por dentro. Julgo lembrar que falou dos voos de Brel rumo às suas ilhas Marquesas, onde aportou marinheiro, a chorar a morte do amigo Jojo. Não sei se falou de como suava as palavras que cantava, uma a uma, músculo a músculo, nervo a nervo, nos palcos que no final dos anos 60 decidiu abandonar. Não sei se falou das suas belíssimas canções, da ironia ‘sortido fino’ de algumas, como les Bonbons, no acento agudo de outras como Les Bourgeois ou no esgar de Les Flamandes. Mas acho que acabou a emissão com o Ne me quite pas. Ou talvez não. Não importa. Jacques Brel morreu faz hoje 30 anos. Ontem foram leiloados em Paris não sei quantos lotes de manuscritos e coisas que lhe pertenceram por mais meio milhão de euros. Um caderno onde está escrita pela sua mão a magnífica Amesterdam, que outros, por exemplo David Bowie haviam de cantar, foi arrematado por 110 mil euros. Um coleccionador atento a efemérides e ao valor do tempo sobre as coisas. Hoje de manhã, nos seus Sinais, na TSF, Fernando Alves passou uma música de Barbara dedicada a Brel e não deixou de falar dos 30 anos dessa morte ou não deixou que morresse, pois é verdade que só morrem aqueles que esquecemos. A tarde está morna, coisa das alterações climáticas que fazem os Outonos azuis. Mas há um fio de cinza por Brel. Fidelidades.




2 comentários:

Ezul disse...

Não me recordo do ano em que comecei a ouvir Brel, terá sido depois da sua morte,talvez.Em 1978,Sérgio Godinho e Herbert Pagani eram as minhas referências, ainda o são! Mais tarde ouvi e senti Brel, tive a necessidade de aprender os seus poemas... E agora apercebi-me das saudades que sinto por não o ouvir há tanto tempo. Imperdoável!

Vitor Oliveira Jorge disse...

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Vitor Oliveira Jorge