quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Assalto sem roubo


Lembro-me perfeitamente da primeira – e última – vez que fui assaltada. Tinha uns oito ou nove anos e, no Cais do Sodré, um homem puxou-me a gola da camisola com uma força enorme para me roubar o fio de ouro que eu não tinha. Era Inverno e estava de gola alta. Na dúvida, ele tentou. Foi um assalto sem roubo, na verdade, pois, dado que eu não tinha nada, ele nada roubou. Mas o puxão valeu-me uma forte dor no pescoço e uma grande marca encarnada a condizer. Na volta, podia ter feito uma participação à polícia de tentativa de asfixia. Ele, que desatou a correr em fuga rua acima depois do acto de valentia, apenas ganhou uns insultos disparados pelos transeuntes indignados. A coisa passou e eu fiquei relativamente intacta, à parte o susto.
Consegui, de resto, viver em Lisboa sem mais percalços. Saio à noite a pé, não evito nenhum lugar em particular, ando de carro sozinha a qualquer hora e nunca me aconteceu nada particularmente desagradável, excluindo alguns piropos ocasionais, ao belo estilo macho latino. Ah, minto. Assaltaram-me uma vez o carro. No meio da habitual confusão de roupa, CD, sapatos e livros residente no banco de trás, levaram os livros que tinha requisitado na biblioteca da faculdade. Deixaram o resto. A explicação que encontro passa por algum intelectual interessado na Escola de Frankfurt me ter partido o vidro numa ânsia livresca.
Segura, pois, foi como sempre me senti em Lisboa. O que explica a minha grande surpresa quando, ao abrir os jornais reparo que a percepção geral é a de que vivemos numa cidade perigosa, num país perigoso, onde o crime violento espreita a cada esquina, a cada bomba de gasolina, a cada dependência bancária, a cada joalharia. Já quase ninguém acredita no mito do país de brandos costumes, e quase todos temem os outros. Os brasileiros, os ucranianos, os africanos. Antes, dizia-se, roubavam-nos os empregos. Agora, dizem, roubam-nos o dinheiro à mão armada. A mim, quem me rouba o sossego são os homens (portugueses ou não) que depois dos copos chegam a casa para bater na mulher e nos filhos. Porque, aliás, a maior parte dos homicídios continuam a ser domésticos. A grande violência acontece dentro de casa, à porta fechada. E não conhece nacionalidades. Quanto aos ditos assaltos, o certo é que, com o senhor que me tentou saquear, não falei. Mas pelo aspecto geral e pelo bigode, tirei-lhe a pinta: era português de gema.

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