terça-feira, 17 de junho de 2008

Gato & livro

Era Verão. Tocaram à porta. A minha vizinha vinha pedir-me um favor. Ia de férias, não podia levar o gato com ela. Importar-me-ia de, dia sim, dia não, ir dar comida e água ao bicho? Que era muito sossegado e eu nem daria por ele. Nunca gostei muito de gatos. Quando tinha quatro anos apanhei um enorme susto com um que quase me sufocou enquanto eu dormia e nunca perdoei verdadeiramente àquela espécie, tão mais sorrateira que os meus preferidos cães. Mas, enfim, a minha vizinha era tão simpática, estava tão ralada, que seria no mínimo cruel dizer-lhe não. Sim, então. Deu-me a chave, mostrou-me onde estava a comida, onde poria a água. E já agora… Se fosse possível, podia mudar a areia da caixinha a meio das semanas? Era.
Entrava em casa muito devagar – uma vez tinha aberto a porta de uma casa com uma gata, ela fugira para o quintal e foi o cabo dos trabalhos para a agarrar – a última coisa que queria era que o bicho escapasse escada abaixo. Ainda fugia para a rua onde, decididamente, não teria qualquer hipótese, habituado que estava aos mimos caseiros. Fazia tudo como a minha vizinha me dissera e a única prova que tinha que o gato existia era o facto da comida e da água desaparecerem. Naqueles 15 dias só o vi uma vez, num dos últimos dias em que entrei na casa do lado para lhe dar de comer. Observou-me a mudar a água e a pôr-lhe a comida no recipiente. Esperou que deitasse fora a lata de comida e veio depois cheirar-me a mão. Ronronou. Antes que tivesse tempo de lhe fazer uma festa, já ele desaparecera.
Alguns dias depois tocaram à porta. Ainda era Verão e eu tinha uma chave para devolver. Era a minha vizinha. Vinha agradecer-me, dizer que o gato estava óptimo e trazer-me um presente. Um livro. Uma edição de capa dura, ilustrada, de A Árvore das Palavras. Estava autografado, com «um abraço agradecido da vizinha, Teolinda». Já não moro na casa onde era vizinha de uma escritora. A escritora também já lá não mora. Mas há pouco tempo recebi no JL uma nova edição (agora na Sextante) de A Árvore das Palavras, de Teolinda Gersão e lembrei-me daquele Verão. Acho que nunca lhe disse que tinha gostado muito do livro. E um bocadinho do gato.

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