sábado, 24 de maio de 2008

Pintada de fresco

Seria preciso dividir por três para se conseguir pintar a imagem do primeiro dia da 78.ª Feira do Livro de Lisboa, que hoje abriu ao público. Às 17 horas, na mesma altura em que os discursos oficiais assinalavam a abertura oficial, no lado poente da Feira Eduardo Lourenço distribuía, com a sua letra miudinha, autógrafos a admiradores e estudiosos da sua obra. Do lado oposto, os trabalhadores do grupo LeYa finalizavam a montagem dos pavilhões que estiveram na origem de muita polémica e algumas decisões. Um tríptico que, no fundo, ilustra a essência da Feira – autores, organizadores e editoras – e que para ser justo teria de ser complementado com muito público, alguma chuva, quase sempre sol e livros para todos os gostos.
«O importante é que haja, em Portugal e no mundo, mulheres e homens a escrever, editoras para os editar e milhões de leitores para os ler». Foi com estas palavras que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa pôs fim aos desentendimentos que antecederam a edição deste ano da Feira do Livro de Lisboa. «O essencial é que hoje, às 15 horas, a Feira abriu», concluiu António Costa, durante a inauguração. Minutos antes, tanto António Baptista Lopes, da APEL, quanto Carlos da Veiga Ferreira, da UEP, tinham manifestado o seu regozijo pela presença de todos os editores e pelo entendimento alcançado entre as duas partes. A autorização de barraquinhas diferenciadas para as editoras do Grupo LeYa e a garantia que a próxima edição será organizada pela APEL foi a base para a construção de uma Feira do Livro renovada, já em 2009 (ver entrevistas).
Ficou assim esquecido o incidente que esteve na origem do adiamento por dois dias da Feira, atraso que será compensado com o seu prolongamento até 15 de Junho, embora sobrepondo-se ao Campeonato Europeu de Futebol, a partir de dia 7 de Junho, e aos Santos Populares, na semana de 13 de Julho, iniciativas que normalmente afastam o público da Feira.
Muito barulho por nada, na feliz expressão de Shakespeare, era o sentimento generalizado das pessoas que passavam pelos stands do Grupo LeYa. Afinal, as barraquinhas não são assim tão diferentes, ouvia-se várias vezes, à medida que a surpresa da lugar ao comentário. E nem a montagem em curso, que só terminou pelas 18 horas, demoveu as pessoas de comprar os seus livros. A grande novidade destes pavilhões é o seu sistema de livre acesso. Cada pessoa pode entrar, escolher o que quer comprar e sair. O pagamento é feito numa pequena tenda circular, no centro da praça criada pelas editoras do grupo de Pais do Amaral (Asa, Caminho, Dom Quixote, Gaialivro), numa espécie de mini centro comercial sem portas, nem barreiras, à moda do El Corte Inglês. Só a colocação de sensores anti-roubo, como os que se vêem nas lojas, nas extremidades da praça, foi adiada. Para ver como tudo funciona.
A normalidade acabou, assim, por marcar o arranque de mais uma Feira do Livro, animada pela constância do Sol, pelo atrevimento da chuva e pela presença de muitos escritores. Disponível e afável, Eduardo Lourenço assinava os livros que têm vindo a ser publicados e reeditados na Gradiva, entre felicitações pelos seus 85 anos, completados ontem, sexta-feira, 23. As Heterodoxias (vol. I e II) contavam-se entre as obras mais autografadas. Também Lídia Jorge, Inês Pedrosa, Patrícia Reis e Francisco José Viegas, entre outros, marcaram presença. E de «serviço», a dar autógrafos, estiveram Domingos Amaral, José Luís Peixoto, cujos primeiros romances acabam de ser reeditados pela Bertrand, José Manuel Saraiva, Maria Filomena Mónica e Ondjaki, assim como o sargento Luís Gomes, que continua a lutar pela custódia da sua filha adoptiva. Amo-te, Filha é o seu testemunho.
Ao contrário das semanas que antecederam a abertura da Feira, a imagem do primeiro dia não é soturna. A festa dos livros começou.

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