Lisboa subitamente aperta-nos os sonhos. Este amor que temos faz-se de mármore de Carrara, não de areia, mas receio os efeitos corrosivos da grande cidade, tomada pela crise económica e, o que é pior, pela degradação ética que parece ter-lhe vindo associada. Já viste como as pessoas, aprisionadas no crédito que perderam e em empregos potencialmente mortíferos, andam às voltas no Colombo, até, se for preciso, sangrarem dos pés? Vêem o que ainda podem comprar, mas fazem-no sem alegria, movidas por uma espécie de desespero que me recorda Os Cavalos também se Abatem, aquele filme do Sidney Pollack passado, não por acaso, no tempo da Grande Depressão.
Num destes dias, fui pela estrada fora e apeteceu-me pôr-nos a salvo. Perto de Aljezur, encontrei duas aldeias, separadas apenas por uma estrada. Chamavam-se João Roupeiro e Maria Vinagre. Havia dois miúdos, acompanhados pelos seus burricos, um não acabar de árvores, o mar, agreste e atlântico como eu gosto, a poucos quilómetros. Uma ideia de graça, uma promessa de redenção. Nem de propósito: trazíamos os portáteis, a Internet móvel e estava feito.
Portugal não é grande mas pode-se fazer um sem número de projectos destes, só a partir das delícias da toponímia. Há lugares cuja designação prometem uma vida com a dimensão de destino. O meu bisavô, que era de Oliveira de Hospital e odiou todos os dias em que viveu em Vila Nova de Milfontes, desdenhava diariamente desta publicidade enganosa. A vila em questão não só não era nova, dizia, como era frequente que, das ditas fontes (que estavam longe de ser mil), não saísse uma gota de água. Também há lugares que, da sombra e água fresca de outros tempos, já só guardam os nomes: Linda-a-Velha, Linda-a-Pastora, Queijas; outros, como A-da-Gorda, Fonte da Rata ou Casal da Porcaria que, pura e simplesmente, não nos assentam bem. Mas, imagina, Barca d’Alva, Vila Nova da Rainha, Seteais, Águas Belas, Vila Nova da Barquinha, São Julião de Palácios, Belver, Ervedosa, Olhos de Água, Ribeira dos Carinhos… Eu abria uma banca de sedas, rendas, rifas em papel de seda e beijos na Venda das Raparigas. Sem horas de fecho nem utentes da Carris nostálgicos de Salazar. Havíamos de passear muito, de cultivar um jardim de aromas, de contar histórias de arrepiar. E, de caminho, passávamos em casa daquele nosso primo que também tem nome de terra. Troco-os sempre. Como é? Paio Pires ou Samora Correia?
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Mapa de amor
Publicada por maria joão martins à(s) 15:33
Etiquetas: Par ou ímpar
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1 comentários:
Belíssimo texto. Obrigado.
Xicoração.
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