Ainda estava a iniciar os seus estudos de cinema em Berlim quando descobriu, num canto de uma livraria espanhola, Terra Sonâmbula, de Mia Couto. E envolveu-se tanto na sua leitura que teve vontade que «o livro não acabasse nunca». Teresa Prata pouco sabia na altura de argumento ou realização, mas imaginou os seus primeiros grandes planos. Não perdeu tempo e decidiu escrever logo à Caminho, editora do escritor moçambicano, pedindo autorização para fazer daquela história um filme. Levou tempo, mas uma dúzia de anos depois, aí está a sua Terra Sonâmbula. É a primeira longa-metragem da realizadora que antes assinou várias curtas.
Não faltaram a Teresa Prata as razões para querer filmar Terra Sonâmbula. A começar pela «profundidade» da história: «Toca todos os pontos essenciais, vida, morte, sobrevivência, amor». Mas também a sua «originalidade». E a universalidade do que é contado. «É uma história africana, fala-se de Moçambique, mas uma guerra é sempre uma guerra. Por outro lado, no filme não há só uma criança à procura dos pais, mas também uma criança a crescer, o que é universal».
Pesou também por certo o facto de Teresa Prata ter vivido a sua infância em Moçambique, de onde saiu em 1975, com oito anos. Mudou-se então para o Brasil e mais tarde veio para Coimbra, onde se licenciou em Biologia, integrando também o elenco do CITAC, durante seis anos. Do teatro passou ao cinema, já que desde criança que gostava de contar histórias e percebeu que melhor o faria atrás de uma câmara do que em palco como actriz. Só voltou a Moçambique para rodar Terra Sonâmbula e teve na equipa muitas pessoas que tinham vivido a guerra e perdido toda a família. «Perguntavam-me por que queria fazer este filme», recorda. «E eu respondia-lhes que o ia utilizar como se fosse uma lente para verem a guerra e a sua realidade com um pouco mais de poesia».
Mia Couto, que em Junho vai publicar um novo romance intitulado Venenos de Deus, Remédios do Diabo, com a chancela da Caminho, não deixa de confessar que um escritor ainda que de uma maneira «ocultada» tem sempre a «esperança de rever» o que escreveu noutra linguagem, quando os seus livros passam ao cinema. «A linguagem cinematográfica tem que ser divorciada e construída com toda a liberdade sobre a sugestão do livro. E quanto mais distante, melhor será o resultado», reconhece. «É portanto uma relação sempre difícil para o autor, porque por um lado está-se revendo no filme, mas sabe que já não é uma coisa sua. Como quem olha para um filho e já não reconhece aquela criança que parecia ser sua». No caso de Terra Sonâmbula adianta: «Sabendo que Teresa Prata teve poucos recursos em condições difíceis, produziu um trabalho honesto, limpo, digno». Mia Couto já teve algumas das suas histórias adaptadas ao cinema e ao teatro, nomeadamente em algumas curtas de realizadores moçambicanos e há outros projectos de longas-metragens. Mas o seu universo será tão aliciante quanto difícil de passar a outras linguagens. Há sempre o alto risco de se perder na passagem a riqueza da sua singularidade, o envolvimento mágico, o poder encantatório das suas narrativas. Requer, nessa medida, alguma escrupulosa coragem na adaptação ao cinema. Em Terra Sonâmbula, a cineasta encarou o «desafio do livro», sem nunca perder de vista a natureza distinta das duas linguagens, a literária e a cinematográfica. «Uma é para ser lida, a outra para ser vista», salienta. «Foi um trabalho feito com cuidado, pensado. Quis começar de uma forma realista e acabar de uma mais mágica e segui esse conceito também nos diálogos. Primeiro são mais duros e depois fui deixando alguns ‘diálogos puros’ do Mia Couto». E acrescenta: «O meu filme é a minha visão sobre o livro e retirei dele o que me interessava contar».E o que Teresa Prata quis contar foi a história da criança, Miudinga, e do velho Tuahir, seu companheiro na deambulação em busca da mãe, que acredita ser a mulher que espera o seu filho, num navio encalhado, como diz o diário que encontrou junto de um cadáver. «Só peguei num esqueleto narrativo», adianta. «Por exemplo no livro de Mia Couto as duas histórias nunca se encontram, mas em cinema se abro uma segunda linha de história tenho que as juntar. Por isso, criei um rio que não existe no livro». Ainda recorda a «alegria» sentida na cozinha do seu apartamento em Berlim, onde vive, quando teve a ideia desse rio, que fez desembocar num final com «alguma esperança». «Senti logo que era uma boa ideia», diz. Talvez tenha tido a certeza, quando as pessoas se levantaram numa explosão de, a bater palmas, no justo momento em que viram brotar esse rio, quando o filme foi exibido no Festival de Kerala, na Índia. Tem estreia comercial em Portugal marcada para 8 de Maio e a 30 em Moçambique.
Fórum Lisboa, dia 26, às 22
Londres 2, dia 1, às 15
2 comentários:
Muito bem escrito seu texto. Sou um apaixonado e pesquisador de Mia Couto. Estou há muito tempo a buscar este filme, mas não o encontro. Tu poderias me dar alguma indicação de onde posso comprá-lo? Obrigado!
david_craydonpark@yahoo.com.au
Olá, José. Estudo também Mia Couto. Eu baixei este filme no youtube. Lá ele está dividido em 7 partes. Eu baixei as sete partes e juntei tudo e fiz o filme completo. Você pode fazer o mesmo. Seguem os links:
Parte 1
http://www.youtube.com/watch?v=3zR5TH-YixE
Parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=Vv8L7eNXjiA&feature=fvwrel
Parte 3
http://www.youtube.com/watch?v=uO2vYPSwa_s&feature=relmfu
Parte 4
http://www.youtube.com/watch?v=dqic-DXgT-8&feature=relmfu
Parte 5
http://www.youtube.com/watch?v=mLumQ7Wwn40
Parte 6
http://www.youtube.com/watch?v=boSvzJ4Y_ek&feature=relmfu
Parte 7
http://www.youtube.com/watch?v=q1Mm1sk-q6E&feature=relmfu
Espero ter ajudado.
Visite meu blog e siga.
http://somospetalas01.blogspot.com.br/
Patricia Andrade
Enviar um comentário