segunda-feira, 17 de março de 2008

Blues da morte de amor, de Vasco Graça Moura

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu não tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
nos lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: - morrer ou não morrer, darling, ah, sim.

2 comentários:

luismontelima disse...

Parece-me constituir um bom comentário a este, o pequeno poema dialogado que se segue:

heterossexualidade pura

- Estava eu sentado no terraço a ver a olhar o mar
- Eu estava debruçada sobre ti
- Estava quase a chorar
- Abracei-te como nunca o fiz
- Pensei muito durante essa tarde pensei tanto… ia ficando louco
- Amei-te continuamente sem intermitências e serena. Conta-me mais… fala-me dessa tarde para sempre e sempre
- Não posso… já não a vejo
- Falo eu então meu amor
- Não… Eu tenho de ver… de voltar a ver e de olhar outra vez para o mar
- Vês ainda? Consegues ainda ver?
- Não sei já se não quero ou se não consigo
- E não é a mesma coisa?
- É
- Perdeste alguma coisa?
- Eu
- E quem me fala agora então?
- A minha voz
- Dádiva?
- E prazer
- Vou dizer-te quem és… Vou dar-te… Dar-te a ti… Devolver-te de mim…
- Se de mim me dás a mim… dou mais do que sou… não me torno assim mais do que aquilo que sou ao devolveres-me o que fui de ti?
- Se não guardaste o que me deste não…
- Devo então guardar-me em vez de dar-me?
- Deves antes revelar-te e dares-te naquilo que és em vez de dares o que és
- Mas se dou o que sou no lugar de me dar não terei dado um fantasma de mim?
- Terás antes criado em mim uma emoção voluptuosa que me terá enriquecido e embelezado. Sorrindo. E… no meu sorriso ter-te-ei devolvido um simulacro de emoção voluptuosa que te terá enriquecido e aumentado
- E tu?
- Poderei então contar-te outras histórias… E então tu…
- Saberei narrar também. Saberei nadar além ao longe naquele mar para lá do paredão. Além bem longe para lá de mim e de ti. Saberei amar em ti o que sou e em mim o que és… multiplicando-me e aumentando-me sempre e sempre. Assim como tu fazes
- Mas então deixas de ser tu não é?
- Eu?
- Deixas de ser a tua voz
- A minha voz conta sempre e sempre as histórias assim como a tua
- Sorri meu querido
- Sim… estava sol
- Estavas só

Luis Monte Lima

Unknown disse...

poema nocturno? bom poema, embora contenha em excesso a palavra "clarinete" (para mim, uma palavra pouco estética numa poesia, mesmo que no poema de VGM esteja relacionado com o jazz