sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Colisão frontal

A causar espanto naqueles que seguiram atentamente a atribuição do Man Booker Prize de 2007, Anne Enright, com Corpo Presente, foi a distinguida com o galardão, ombreando – e ultrapassando – o inglês Ian McEwan (Na Praia de Chesil) ou o neo-zelandês Lloyd Jones (Mr. Pip).
Corpo Presente é um romance duro, intenso e perturbador, em que a escritora irlandesa entra pelas memórias de Verónica Hegarty a partir do momento em que um dos seus 11 irmãos se suicida e a família se reúne para o seu enterro. É um processo de luto, mas é também uma história de amor – de como se pode amar alguém de quem não se gosta. Uma saga familiar, que percorre três gerações, através de memórias confusas, em que por vezes é difícil destrinçar o real e o imaginário.
Reflexões sobre como o ódio, a indiferença ou a irritação se podem instalar numa família que se mantém, porém, unida através do sangue – que obriga a um amor genético. Corpo Presente é uma história sobre como um acontecimento, perdido na memória e mantido em segredo, pode levar a um suicídio. Acima de tudo, é também uma história de como as nossas vidas e os nossos percursos estão intimamente ligados aos nossos ossos. Ao nosso ADN.
Parafraseando Enright, na voz de Verónica Hegarty, Corpo Presente é «um embate na vida.» Para assinalar o seu quadragésimo aniversário, o Man Booker Prize vai escolher o melhor dos Bookers. Pela proximidade temporal da atribuição do prémio, a obra não será certamente distinguida com o Booker dos Bookers. Embora merecesse, provavelmente nem fará parte da shortlist. Mas será, sem dúvida, um Booker que não vamos esquecer nos próximos 40 anos.

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