segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A borracha de Rauschenberg

Erased De Kooning Drawing (1953), de Robert Rauschenberg

Há gestos que dizem tudo, como o de apagar o desenho de outro artista. Gestos que valem por si e que afirmam, sobre a invisibilidade das consequências da sua acção, o significado da atitude que lhe está implícita.
Era uma época sem barreiras. A cada obra conquistavam-se novos terrenos para as artes plásticas. A academia era uma instituição a abater, e a liberdade, mais do que um direito, apresentava-se como matéria-prima.
Em 1953, Robert Rauschenberg trabalhava numa série de telas monocromáticas, muito antes das suas Combined Paintings, ou das longas viagens pelo mundo, período que está a ser recordado numa mostra na Fundação Serralves, patente até Março. Mas procurava também uma revolução no plano das ideias, instituir o conceptualismo como prática artística. É neste contexto que surge a sua borracha.
Rauschenberg estava acostumado a desenhar e a apagar o que fazia. Era um constante recomeço, um acto seguido da sua negação. Mas uma actividade sem significado, como o próprio confessa. «Para ser alguma coisa, tinha de começar por ser arte.» E arte, naquela altura, significava Willem De Kooning.
Comprou uma garrafa de Jack Daniel's, que terá bebido com temeridade, e dirigiu-se à casa do mestre. «Primeiro, rezei para que ele não estivesse em casa, e a obra seria isso. Depois, que ele não aceitasse, e a obra seria isso», lembra em entrevista. De Kooning, no entanto, acedeu. «Vou dar-te um desenho de que venha a sentir falta», acrescentou. E difícil de apagar, com traços a lápis, caneta, óleo e outras tintas.
Até conseguir apagar o desenho de De Kooning, Rauchamberg passou um mês de borracha na mão. Para uns, trata-se de um protesto contra a arte abstracta, para outros, de pura destruição. Para Rauchamberg, é «pura poesia». Neste readymade ao contrário, em que se reduz, em vez de se acrescentar, encontro os fundamentos da arte contemporânea. Porque há gestos que dizem tudo. Como esse, que Drummond de Andrade havia de deixar escrito: «E como ficou chato ser moderno./ Agora serei eterno.»

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